sábado, 9 de abril de 2011

a cançao dos homens

A propósito da tragédia do Realengo, assistam a canção dos homens.  Depois leiam o artigo de José Ribamar Bessa Freire escrito em 2007.

http://www.youtube.com/watch?v=5D9ZOaOArj0

sexta-feira, 8 de abril de 2011


Eu odeio esta escola

Por José Ribamar Bessa Freire* (escrito em 2007 sobre os EUA, qualquer semelhança com o Brasil de 2011 é mera coincidência, ou não...)
Era apenas um menino, de 14 anos, solitário e triste. Cursava a nona série numa escola de Ohio, nos Estados Unidos. Quase ninguém o chamava pelo seu nome de batismo: Asa H. Coon. Como mancava de uma perna, era mais conhecido por um apelido cruel, algo assim como “Deixa-que-eu-chuto”. Nessa quarta-feira, 10 de outubro, entrou na escola com dois revólveres, um em cada mão, como um caubói disposto a se fazer respeitar no faroeste. Fez muitos disparos. Feriu quatro pessoas. Depois, se suicidou.

Foi preciso morrer para conquistar outro apelido: “Deixa-que-eu-atiro”.

No dia seguinte, longe dali, em Filadélfia, Pensilvânia, outro adolescente, também de 14 anos, foi preso. A polícia, após descobrir que ele acessava um site na internet com instruções para fabricar bombas, encontrou em sua casa um arsenal com pistolas automáticas e granadas. O menino estava preparando um ataque à escola, de onde havia fugido para evitar humilhações. Queria se vingar da crueldade dos colegas, que o chamavam de ‘Baleia Prenha’, por causa de sua extrema obesidade.

A violência nas escolas americanas já fez dezenas de vítimas, desde a tragédia de Columbine, em 1999, quando treze pessoas foram assassinadas. Há seis meses, em abril, foi um sul-coreano que matou 32 estudantes na Universidade Virginia Tech, e deixou um manifesto se queixando das afrontas recebidas porque pertencia a uma ‘cultura estranha’ e falava uma língua diferente. Em outubro do ano passado, cinco meninas foram assassinadas numa escola religiosa anabatista, na Pensilvânia. Um mês antes, um menino de 15 anos, matou o diretor de seu colégio, em Wisconsin. E por aí vai.

A Polícia descobriu a pólvora e a roda, quando classificou os autores dessa violência como “portadores de problemas emocionais e psicológicos”. Tal juízo foi feito muito tarde e pela instituição errada. Trata-se não de um diagnóstico médico, mas de um laudo policial preconceituoso, elaborado a posteriori, que olha hoje o ‘desequilibrado’, como no passado se olhava o leproso. Ele é visto como um inimigo da sociedade, que deve ser isolado e punido, e não como alguém que precisa de tratamento.

Ohio que o parta

Afinal, o que está acontecendo? Por que meninos usam a escola como palco de ações homicidas? O que estão querendo nos dizer quando se suicidam, depois de matar e ferir colegas e professores? A gente não consegue entender o recado que nem eles mesmos desconfiam que estão mandando. Talvez fossem compreendidos se escrevessem um conto ou poema, pintassem um quadro, compusessem uma música. Mas usaram a linguagem das balas, predominante hoje nos EUA e na ocupação americana do Iraque. Quem sabe George Bush pode nos traduzir, pois essa parece ser a sua língua materna, digo paterna.

O menino de Ohio entrou na escola mancando, com duas armas, como John Wayne num filme de bang-bang ou como um soldado americano no Iraque. Estava vestido todo de preto: casaco, camisa Marilyn Manson e jeans, as unhas pintadas com esmalte escuro e o pescoço cheio de cadeias estilo gótico. O primeiro disparo atingiu um colega de turma, que o havia esbofeteado após uma discussão sobre a existência de Deus. Depois, feriu outro colega e dois professores. No meio da confusão, berrou, antes de se suicidar: “EU ODEIO ESTA ESCOLA”.

Esse grito fere a nós, professores, talvez tão profundamente quanto as balas, porque evidencia nosso fracasso. A instituição na qual acreditamos, longe de ser um lugar de reflexão, de liberdade e de convivência amistosa, torna-se um espaço insuportável de opressão e de negação da alteridade. A escola que pretende uniformizar as pessoas – e a farda é apenas um símbolo disso – revela que está despreparada para lidar com a diferença. Não ensina as regras de conviver com quem é diferente. O pernetinha, o surdo, o gordão, o cara de olho puxado, o índio, o caboco e o negro são estigmatizados.

A escola, como regra geral, não educa para a diferença em nenhum país. Acontece que ela dialoga sempre com a sociedade que a abriga. Nos EUA, num sistema extremamente competitivo, a escola ‘prepara’ os alunos para serem ‘winners’ (vencedores). Não há lugar para ‘losers’ (perdedores). Os fracassados são esmagados. Há ainda um agravante: a facilidade com que até um ‘loser’ pode comprar uma arma, o que possibilita que se faça, em escala menor, aquilo que Bush faz no Iraque em proporções gigantescas, assassinando milhares de pessoas.

Sociedade-caveirão

Quem está doente não é o “Deixa-que-eu-chuto” ou o ‘Baleia Prenha’. Doente é a relação deles com a sociedade através da escola. É essa relação enferma, produto da sociedade-caveirão, que deve ser tratada. Esses conflitos em instituições de ensino dos EUA nos permitem refletir sobre o modelo de escola e o papel do professor, bem como discutir o tipo de violência que acontece num país complexo como o Brasil. Um fato ocorrido recentemente no Rio de Janeiro pode servir de ilustração.

Uma professora carioca decidiu fazer um curso universitário depois de se aposentar. Hoje ela é minha aluna na UERJ. Contou, em sala de aula, um assalto que sofreu dentro de um ônibus, na Avenida Brasil, quando voltava pra sua casa, na Baixada Fluminense. Numa parada, entraram quatro jovens. Um deles, que parecia ser o chefe, botou um revólver na cabeça do trocador e gritou: “isso é um assalto”. Um segundo menino, também com uma arma na mão, ficou apontando pro motorista, enquanto os outros dois recolhiam, numa sacola, dinheiro, celulares e jóias dos passageiros.

Quando já não havia mais o que roubar, o chefe do grupo deu ordem pro motorista parar. Mas no momento de descer, a professora aposentada o identificou como seu ex-aluno no ensino fundamental. Não se conteve e deu um grito dolorido: “Vandernilson, que decepção! Tanto trabalho pra nada!”. Provavelmente, ela era a única pessoa, além da mãe, que o chamava pelo nome de batismo. ‘Pereba’, assim ele era conhecido, ordenou aos seus parceiros: ‘Sujou! Sujou! Devolve tudo’.

Enquanto o ônibus prosseguia no seu itinerário, eles iam devolvendo os pertences de cada um. Depois, Vandernilson, o Pereba, bastante constrangido, pediu desculpas à sua ex-professora e desceu provavelmente para assaltar outro ônibus. Os passageiros aplaudiram a mestra, cujo aluno podia até não gostar da escola, mas que ainda nutria afeto e respeito por uma de suas professoras.

Na véspera do Dia do Professor, homenageamos todos os mestres que procuram respeitar a diferença. Entre eles, alguns do Instituto de Educação do Amazonas e do Ginásio Amazonense na década de 1960, que compartilharam com seus alunos o que tinham de melhor: Orígenes Martins, Carlos Eduardo Gonçalves, Mercedes Ponce de León, Nathércia Menezes, Hilda Tribuzzi, José Braga, Isis Falcone, Garcitylzo Silva, Lurdinha Telles, Stélio Lobato, Afonso Nina, Manoel Otávio, Farias de Carvalho e tantos outros, que merecem a gratidão perene de seus ex-alunos.

*José Ribamar Bessa Freire é antropólogo, natural de Manaus e assina no “Diário do Amazonas” coluna semanal tida como uma das mais lidas da região norte.Reside no Rio de Janeiro há mais de 20 anos e é professor da UERJ, onde coordena o programa “Pró-Índio”. Mantém o blogTaqui Pra Tie é colaborador do blog "Quem tem medo do Lula?"

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