sábado, 26 de janeiro de 2013
GUEST POST: RACISMO NUM SITE DE MATERNIDADE
A Luiza, uma produtora teatral, me enviou uma ótima reflexão sobre um caso que rendeu muitas críticas esta semana.
Na quinta, o site de
uma maternidade publicou um post com o título "Minha filha tem o cabelo
muito crespo. A partir de qual idade posso alisá-lo?". Escrito por uma
empresa terceirizada, o site nem tocou na questão de que não há
absolutamente nada de errado em ter cabelo crespo. Pra contrastar com a
foto da menininha negra, no cabeçário do site vemos uma família
branquinha e feliz.
Depois de vários protestos nas redes sociais (e depois dizem que ativismo de sofá não é importante), o site removeu o post. Fica o texto da Luiza:
Depois de vários protestos nas redes sociais (e depois dizem que ativismo de sofá não é importante), o site removeu o post. Fica o texto da Luiza:
Li aqui algumas vezes posts sobre racismo e sobre como isso agride pessoas (especialmente mulheres).
Eu
sou branca, beeeem branca e tenho o cabelo muito liso e muito fino.
Cresci ouvindo mulheres que diziam ter inveja do meu cabelo. E, claro,
como nunca estamos felizes com aquilo que temos, meu sonho é ter cabelos
volumosos e cacheados. Acho as mulheres negras estonteantes. Eu acho
essa minha cor de lagartixa muito sem graça, pouco charmosa. Sei que é
possível que se eu tivesse nascido diferente do que sou, e tivesse desde
a infância aturado preconceitos e bullying racistas, talvez não
pensasse dessa forma e vivesse alisando o cabelo.
Hoje
[dois dias atrás, mas a Luiza escreveu isso no momento, antes do site
ser retirado] vi um post no site de uma maternidade. O texto é pequeno
em comprimento e imenso em estupidez, ignorância e preconceito. Em tese,
serve como um alerta para a saúde das crianças que terão seus cabelos
"crespos ou rebeldes demais" alisados. Ao ler, esperava que houvesse
(para dizer o mínimo) algum questionamento do porquê de as mães terem a
necessidade de alisar cabelos de bebês e crianças. Ao invés disso, me
deparei com a seguinte frase: "Com a adesão cada vez maior às técnicas
de alisamento, algumas mães recorrem a essas alternativas para deixarem
as crianças mais bonitas." O que isso quer dizer? Meninas de cabelos
crespos e rebeldes são não-tão-bonitas assim?
Ao invés
de tentar conscientizar as mães, o texto da maternidade dá respaldo a
esse comportamento e ainda assina embaixo de que as crianças de cabelos
não-lisos poderiam ficar mais bonitas, caso suas cabeleiras não fossem
como são. E, pra completar, em seguida fornece as opções de escova e de
alisamentos que podem ser feitos em crianças, segundo eles, "sem causar
danos".


A meu ver, as mães que se perguntam "Minha filha tem o cabelo muito crespo. A partir de qual idade posso alisá-lo?" devem ter sofrido com seus cabelos ou são incapazes de reconhecer a beleza que a mídia, não declaradamente, não aprova.

[Luiza,
acho que precisa explicar, porque tem gente que nunca pensou no assunto:
vemos poucas modelos negras na mídia, mas, em geral, quando elas
aparecem, muitas vezes vêm associadas a algo animalesco, selvagem, que precisa ser domado. A questão de alisar o cabelo vai na mesma linha: equivale a querer domá-lo, pacificá-lo, dominá-lo, e a querer fazer o mesmo com a dona do cabelo].

Na
minha opinião, querer uma modelo negra que pareça ser branca não é
menos racista do que só aceitar modelos caucasianas. É um jeito de dizer
"viu só? Nós não somos racistas, temos até uma modelo negra no nosso
porfólio!" E a própria modelo do documentário diz que as grifes parecem
fazer isso: contratar uma modelo negra só para despistar as acusações de
preconceito.

No
documentário um fotógrafo ainda diz "ninguém quer investir em uma modelo
negra para fazer Gucci, Prada ou Valentino. Porque elas são negras, e
negras não vendem. O dinheiro é verde, e os brancos é que têm dinheiro.
Pessoas brancas comprarão de pessoas brancas."
É um ciclo vicioso e venenoso:
É um ciclo vicioso e venenoso:

Para mim
a questão é: brancos e negros compram de brancos por não terem sequer a
opção de ter um produto vendido por uma modelo negra, aquela que tem
"problemas de ajuste" por causa dos "certos traços", como "quadris
selvagens" e "cabelos crespos e rebeldes demais".

Não sei
as respostas, e nem acho que seja a única solução -- afinal, educação,
incentivo à cultura e projetos de conscientização são ferramentas mais
do que valiosas. Talvez o mero questionamento já seja um caminho.
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