sábado, 12 de janeiro de 2013

Quatorze

POR EM 11/01/2013 ÀS 05:42 PM
publicado em
Todas as mulheres deveriam ter quatorze anos.Nelson Rodrigues
Fotografia: RevolvverComo era mesmo o nome dela? Lembrava da saia do colegial, dobrada na cintura para parecer mais curta, até a madre superiora aparecer do nada, “Desce a saia, arruma as meias”. Quantos anos ela teria? Quatorze. Os cabelos quase lisos desciam até os ombros, quando não estavam presos num rabo de cavalo com elásticos que ela conseguia no almoxarifado. O servente oferecia canetas, apontadores, cadernos pautados, elásticos, qualquer coisa que ela pedisse. Devia ser por causa da saia dobrada ou dos olhos castanhos amendoados. Os cílios. Em lugar do sutiã, usava uma camiseta sem mangas e, encoberta pela camisa da escola, uma medalhinha num cordão de ouro. Como era mesmo o seu nome? Ela carregava os livros e cadernos junto ao peito, antes de começar a usar fichários. Sua letra era apressada, abreviava as palavras ditadas pelo professor de ciências, mordia a ponta do lápis, fazia círculos na última página do caderno, espirais, estrelas. Eu me sentava atrás dela, ainda usava bermudas e meu rosto era coberto por um óculos de grau e meia dúzia de espinhas. Garotos assim apenas admiram e se apaixonam. E eu olhava pra ela na fila da cantina e depois quando jogava pingue pongue, a raquete e o sanduíche que ela comia pelas beiradas, virando o pão em sentido circular, hábito que, por ela, acabei adquirindo por toda à vida. Não era boa aluna, mas não acumulava notas vermelhas. Tinha uma amiga muito gorda, cujo apelido era este, que sabia seus segredos. Muitas vezes vi a Gorda segurando sua mão, enquanto ela chorava no recreio. Por que ela chorava? Como era mesmo o seu nome? Daria tudo para lembrar. Onde eu sentava podia sentir o perfume que vinha dos seus cabelos, o perfume da nuca visível. Não era de frasco nem sabonete, isso eu tinha certeza. Era o cheiro da sua pele que fugia do alcance do corpo e se espalhava pela sala inteira, como um jasmineiro. Um dia ela pediu minha borracha emprestada, que entreguei com as mãos trêmulas. Ela devolveu minutos depois, com o desenho de um coração vermelho. “Você se importa?”, perguntou, enquanto eu olhava a borracha, o coração arredondado, flechado por uma seta. Eu era muito jovem para adivinhar se havia ou não algum tipo de malícia naquele rosto, os cílios inocentes, a pele quase morena. Ela devia ter quatorze anos, as meias desabando perna abaixo, a saia plissada azul marinho do­brada na cintura.
Debaixo da saia, as coxas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário