A PEC das domésticas, o machismo, a nova economia, o trabalho da mulher e outras reflexões
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PS. Esse é um texto que se dirige
às mulheres de classe média, predominantemente héteros, usualmente
brancas, quase sempre cisgênero. Sabemos que existem outras mulheres,
com outras queixas, outras demandas e outras realidades. Quando o texto
refere-se à “você” e suas escolhas, pensamentos e possibilidades é esse
“você” socialmente designado.
Sobre a PEC das domésticas hoje ouvi choro e ranger de dentes. “não se consegue mais empregadas decentes/de confiança”
é a frase recorrente. Aí, um dos homens mais machistas que conheço
declara ao outro colega que choraminga sobre a falta de babás: “olha,
não quero dizer isso, mas…se a fulana (mulher do outro) não tivesse
tido essa conquista recente (passar num concurso) era melhor não
trabalhar, porque quem vai olhar o filhinho de vocês?” E por isso ele acha melhor que a mulher fique em casa com o filho, como a dele faz. São escolhas.
Tenho dois filhos e gosto de trabalhar,
além de obviamente precisar. Mas, a gente sente saudade deles, se culpa
(por nós mesmas e pelo que nos culpam) por não estarmos com eles como
ficavam as mães de outras gerações que não trabalhavam fora, mas davam
um duro danado dentro de casa, quase sempre não reconhecido. Se a gente
se preocupa com os filhos? Claro, né?! E o que está errado nessa
estrutura aí é a mulher trabalhar? Discordo.
Simone de Beauvoir já disse há mais de 50 anos: “É
pelo trabalho que a mulher vem diminuindo a distância que a separava do
homem, somente o trabalho poderá garantir-lhe uma independência
concreta.” Isso não é um chavão, é concreto. O casamento (aleluia!)
não é para sempre, você pode se separar se estiver infeliz, filho não
sustenta casamento. Aliás, acho que ao perpetuar o padrão — ‘serei
infeliz, mas darei uma família, um pai pro meu filho’ — a gente está
ensinando que ninguém é responsável pela própria felicidade, mas que
deve aceitar desígnios do destino (que nem o são desígneos, a gente
escolheu casar, e às vezes escolhe bem errado).
Hoje, felizmente, a não ser que você
queira, você não depende mais de um homem para lhe sustentar, você pode
fazer suas escolhas, inclusive financeiras e amorosas, você pode sair de
um casamento que não lhe agrada, que lhe faz infeliz, que lhe faz mal
em vários sentidos, inclusive em casos de violência doméstica.
Se você não depende de ninguém para morar
e comer, você pode escolher mais livremente ir embora. Isso acaba com a
família? Só se os adultos envolvidos forem imaturos ao ponto de
passarem o resto da vida brigando ao invés de saberem que tem algo em
comum, e legal, que precisa deles, os filhos. E família
é um conceito bem mais amplo que papai, mamãe e filhinhx. E isso serve
para famílias heteroparentais e homoparentais, aliás família é um
conceito social e não religioso para o sentido das leis. Se a sua
religião não permite casais homossexuais ou monoparentais é escolha sua,
mas não pode ser imposta por lei ao resto do país, relembrando pela
milionésima vez nos últimos meses que o estado é laico e por sua vez sua
políticas também deveriam ser.
Mas voltando ao assunto… Antes da mulher
trabalhar, quero dizer, as mulheres de classe média trabalharem — porque
as pobres sempre trabalharam — a mulher era um ser completamente
dependente. Dinheiro é poder, dinheiro é poder de escolha. Se você
trabalha você escolhe, ir, ficar, e como e quando gastar. O trabalho
também enriquece a nossa vida em outros sentidos, pois convivendo com
outras pessoas e não ficando restrita ao ambiente caseiro aprendemos a
tolerância, o respeito a todos porque convivemos, conhecemos pessoas que
tem ambiente social e cultural diverso do nosso ambiente originário.
Não estou fazendo aqui um libelo contra
as mulheres que decidiram deixar o trabalho e cuidar dos filhos, cada
qual com suas escolhas, seus ônus e bônus. Porque eu, ao escolher
trabalhar, perdi os primeiros passinhos do meu filho mais novo, por
exemplo, mas não me arrependo. Tive ônus e bônus, como em qualquer
escolha. Tenho meu emprego, dependo de mim. E entendo quem escolheu não
passar pela tristeza de perder os passos do filho.
Não acho que o erro está no fato da
mulher escolher trabalhar ou não, mas no fato do Estado não ter
políticas públicas de apoio à mulher, de não termos creches, assistência
pediátrica e médica de qualidade, da licença maternidade ser diminuta.
Mas, o principal problema é mesmo o
machismo, inclusive de algumas mulheres, que não veem o homem como
alguém que possa ser responsável por cuidar de um bebê ou de uma
criança. Alguns países tem licenças maternidade que são longas e
divididas entre pai e mãe, para não pesar só sobre a mulher o peso da
família e afastá-la do mercado de trabalho, de postos de comando por ter
menos tempo para o emprego, já que obrigatoriamente deve ser dela o
dever de cuidar da família, organizar compras, limpar a casa, alimentar a
todos… Isto não é uma obrigação divina, cultural e até biológica, como
querem alguns. Exceto pela amamentação, já que não dá para desatarraxar
os peitos, o companheiro, ou companheira, é capaz de executar as outras
atividades todas, e não só ajudar tocando uma fraldinha quando está a
fim.
E que o machismo tem a ver com o suposto sumiço das boas empregadas? Aquelas que davam sua vida por nós e eram como se fossem da família e o encarecimento desse serviço? Boa parte, o resto se deve a evolução do mercado.
A mulher de classe média quer e precisa
trabalhar. Mais até do que quer, precisa e às vezes, tem um bebê, e
obviamente o bebê é dela e deve cuidar dele — mesmo devendo ser uma
obrigação compartilhada com o pai, esse quando está presente no máximo
“ajuda” –, mas para ter a solução que acomoda a mulher no trabalho sem
ônus para os demais membros da família passa pelo fato da mulher de
classe média repassar o encargo das tarefas do lar para uma pessoa que
muitos veem como uma escrava, pois deve estar a disposição 24 horas por
dia. Não se enxerga a doméstica como alguém que presta um serviço
contratado, uma trabalhadora, afinal o serviço doméstico é socialmente
desvalorizado, exatamente pelo machismo.
Não tenho nada contra pessoas que gostam
ou acham que precisam ter empregadas. O que não dá é para conviver com
esse resquício de escravidão e achar que o salário dessas profissionais
deve ser baixo e que essas trabalhadoras não merecem as mesmas
garantias trabalhistas das outras categorias. Essas pessoas tem seus
sonhos, família e filhos e merecem o mesmo que você deseja para você e
os membros da sua família. Aí, entra também o preconceito de classe. Uma
incapacidade de enxergar a outra trabalhadora merecedora dos mesmos
direitos, mesmo com outro grau de escolaridade.
Passar a culpar a falta de empregadas
(note, empregadas no feminino, pois a maior parte dessa mão-de-obra
barata e desvalorizada socialmente é de mulheres, e de mulheres negras)
por não ter alguém para cuidar da sua casa e do seu filho enquanto você
trabalha não resolve o problema. Mas, talvez, resolva o problema
repensar essa estrutura machista da relações familiares e de trabalho
que ainda veem a mulher como rainha do lar . O que ajuda é promover
mudanças nos relacionamentos, na estrutura familiar. Dividir igualmente
as tarefas da casa, por exemplo. E para os direitos de nós todas,
trabalhadoras, domésticas ou não, devemos pressionar o governo para que
institua políticas públicas específicas para mulheres.
As culpadas não são as domésticas. Elas
são trabalhadoras como nós, a culpa desse desespero causado pelo
“apertem os cintos, a doméstica sumiu” é de se tentar manter uma
estrutura patriarcal num mundo que evoluiu. E continuará a evoluir.
Devemos nos adaptar a essa nova estrutura que nasceu com o
desenvolvimento do país e fazer com que as leis se adaptem a ela.
Escreva Lola, escreva
Na segunda-feira, em Brasília, uma menina de 12 anos estava indo pra escola e pegou o ônibus errado. Ao descer do coletivo para corrigir o trajeto, foi abordada por quatro garotas, duas delas encapuzadas, que disseram não aceitar negras em "seu" beco. A menina negra, que não reagiu, foi agredida com socos e pontapés. Traumatizada, registrou queixa numa delegacia.
Será que a galera do Não Somos Racistas vê o caso como racismo? Esses dias Marco Feliciano, presidente da Comissão
de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, foi acusado de racismo e
homofobia. Outro pastor, Silas Malafaia, saiu em sua defesa. Segundo
Malafaia, Feliciano não pode ser racista porque sua mãe tem raízes
negras. E não pode ser homofóbico porque ele nunca mandou matar ou bater
num gay.
Segundo caso. Pouco tempo depois de uma revista francesa "homenagear" a África pintando uma modelo branca de negra, foi a vez da moda prestar seus tributos a uma raça que ela tanto valoriza. Sim, porque as revistas e passarelas de moda estão lotadas de modelos negras! Em 2008, por exemplo, havia oito negras entre as 344 modelos que participaram do evento. Oito! Pô, 2,5% de modelos negras e elas ainda querem mais?! Tem tanta negra na São Paulo Fashion Week que são as brancas que deveriam protestar para estabelecer uma cota mínima de orgulho ariano!
Mas,
né, como homenagem pouca é bobagem, Ronaldo Fraga, em seu desfile deste
ano, colocou perucas feitas de Bombril no cabelo de suas modelos, quase
todas brancas. Os editoriais de moda registraram a ousadia do
estilista, sem nenhuma crítica. As redes sociais não foram tão
ovelhinhas e protestaram a rodo. A revista Marie Claire saiu em defesa do estilista, afirmando que ele foi refém do politicamente correto, num editorial que me fez rir em voz alta.
Tenho dificuldades pra entender como palha de aço na cabeça pode ser uma crítica ao racismo. Afinal, cabelo crespo é sempre chamado de bombril, cabelo ruim, e isso nunca é elogio.
Mal posso esperar a homenagem do ano que vem! O que será que vai rolar? Mais modelos brancas com black face? Ou modelos negras com caudas de macaco, pra criticar o racismo? (que nem existe, vai, ou se existe, é contra os brancos).
Escreva Lola, escreva
Na segunda-feira, em Brasília, uma menina de 12 anos estava indo pra escola e pegou o ônibus errado. Ao descer do coletivo para corrigir o trajeto, foi abordada por quatro garotas, duas delas encapuzadas, que disseram não aceitar negras em "seu" beco. A menina negra, que não reagiu, foi agredida com socos e pontapés. Traumatizada, registrou queixa numa delegacia.

Hmm...
Eu fico confusa. Tem gente que acha que homofobia, racismo, transfobia,
misoginia é só se alguém bater ou matar um gay, negro, travesti ou
mulher (aliás, tem muita gente que pensa que só bater tudo bem, um
tapinha não dói). Bom, o caso da menina de 12 anos espancada em Brasília
foi de agressão física. É racismo? E se a gente descobrir que uma das
duas garotas encapuzadas era negra, deixa de ser racismo?


Tenho dificuldades pra entender como palha de aço na cabeça pode ser uma crítica ao racismo. Afinal, cabelo crespo é sempre chamado de bombril, cabelo ruim, e isso nunca é elogio.
Mal posso esperar a homenagem do ano que vem! O que será que vai rolar? Mais modelos brancas com black face? Ou modelos negras com caudas de macaco, pra criticar o racismo? (que nem existe, vai, ou se existe, é contra os brancos).
O que mais? No interior do Paraná, um jovem branco decidiu anunciar
no Mercado Livre a venda de um escravo: um colega negro que conheceu
num grupo de jovens da igreja católica. Escreveu: "Negro africano
legítimo, único dono, bom estado de saúde". O suspeito negou, alegando
que várias pessoas têm a senha do seu Facebook, onde também fez
declarações sobre o rapaz. Pelo jeito, descobriu agora que racismo é
crime no Brasil desde 1988. Nem a velha saída pela direita ("é só uma
piada!") foi usada.
E teve o trote na Faculdade de Direito da UFMG (leia a nota de repúdio do Blogueiras Negras). Alunos postaram no FB duas fotos "polêmicas" (eufemismo pra racista e machista pra caramba). Uma era de três veteranos fazendo saudação nazista ao lado de um cara com black face (ou red face?) amarrado num poste. A outra era de veterano segurando uma aluna pintada com o cartaz "Caloura Chica [sic] da Silva".
Eu ia dizer que escravidão é uma chaga terrível do nosso passado, mas aí lembrei que ela continua sendo uma chaga do nosso presente.
De todo modo, o Brasil foi um dos últimos países a abolir a escravidão.
Isso não deveria ser motivo de piada, e sim de reflexão. Mas os trotes
trazem o pior que há nos estudantes. Então tem trote
levinho que prega que aluno de república deve usar um determinado tipo
de cabelo, e só pode mudar o penteado no dia 13 de maio. Por que 13 de
maio? Porque é o dia da libertação dos escravos, ora.
Sabe, eu estudei vários anos numa escola americana (e católica) em SP. E lá uma vez por ano eram promovidos slave sales (vendas de escravos) pra arrecadar fundos pra formatura. O "escravo" geralmente tinha que carregar livros do "proprietário" e ser puxado por uma corrente pra todo mundo ver. Rolava black face, mas o mais comum era vestir escravos homens de mulher e colocar roupas sexy nas escravas. Ninguém achava nada de mais, talvez porque praticamente não havia negros na escola, ou talvez porque brancos privilegiados considerem a escravidão algo hilário.
Mas mais provavelmente porque a minha experiência com slave sale é de trinta anos atrás.
Na década de 80, o mundo ainda não estava dominado por essa praga do politicamente correto (pior que a fome! pior que a miséria! e muuuuito pior que a escravidão, óbvio!). Ninguém pegava no seu pé por ser racista. Naquela época, Danilo Gentili podia fazer todo seu vasto repertório de piadas sem ter de gritar "PQP! Não posso mais chamar negro de macaco sem ser chamado de racista?".
Infelizmente,
nessa década tão feliz os atuais alunos de Direito da UFMG nem eram
nascidos. Hoje, tadinhos, eles são ameaçados de expulsão e têm que
justificar a brincadeira. Como explicou
um veterano, “Quando eles pintaram a caloura de escravo [sic], eles em
momento algum quiseram ofender, porque na nossa faculdade nós temos
amigos negros, o símbolo da nossa atlética é um macacão. Se ela fosse
racista, ela usaria esse símbolo pra algo ruim”.
Ah bom, se "nós" temos amigos negros, então logicamente não há racismo! (Juro que já vi "Não posso ser machista! Eu tenho mãe! Sou casado com uma mulher!"). Talvez não haja alunos negros na sala, e certamente os alunos brancos são contra as cotas raciais, porque não veem necessidade, mas o que importa mesmo é o clima de amizade! E a prova definitiva que eles não são racistas é que o símbolo da Atlética é um macaco. Eles podiam colocar uma peruca de Bombril no macaco e vendê-lo no leilão de escravos pra reforçar a certeza de que são anti-racistas. Ficava perfeito.
QUE DROGA FORTE VOCÊS ANDAM TOMANDO, PESSOAL?!
Por favor, troquem já essa droga aí do dia a dia por várias doses de Simancol. Porque é muita falta de noção pra pouca gente.
E teve o trote na Faculdade de Direito da UFMG (leia a nota de repúdio do Blogueiras Negras). Alunos postaram no FB duas fotos "polêmicas" (eufemismo pra racista e machista pra caramba). Uma era de três veteranos fazendo saudação nazista ao lado de um cara com black face (ou red face?) amarrado num poste. A outra era de veterano segurando uma aluna pintada com o cartaz "Caloura Chica [sic] da Silva".

Sabe, eu estudei vários anos numa escola americana (e católica) em SP. E lá uma vez por ano eram promovidos slave sales (vendas de escravos) pra arrecadar fundos pra formatura. O "escravo" geralmente tinha que carregar livros do "proprietário" e ser puxado por uma corrente pra todo mundo ver. Rolava black face, mas o mais comum era vestir escravos homens de mulher e colocar roupas sexy nas escravas. Ninguém achava nada de mais, talvez porque praticamente não havia negros na escola, ou talvez porque brancos privilegiados considerem a escravidão algo hilário.
Mas mais provavelmente porque a minha experiência com slave sale é de trinta anos atrás.
Na década de 80, o mundo ainda não estava dominado por essa praga do politicamente correto (pior que a fome! pior que a miséria! e muuuuito pior que a escravidão, óbvio!). Ninguém pegava no seu pé por ser racista. Naquela época, Danilo Gentili podia fazer todo seu vasto repertório de piadas sem ter de gritar "PQP! Não posso mais chamar negro de macaco sem ser chamado de racista?".

Ah bom, se "nós" temos amigos negros, então logicamente não há racismo! (Juro que já vi "Não posso ser machista! Eu tenho mãe! Sou casado com uma mulher!"). Talvez não haja alunos negros na sala, e certamente os alunos brancos são contra as cotas raciais, porque não veem necessidade, mas o que importa mesmo é o clima de amizade! E a prova definitiva que eles não são racistas é que o símbolo da Atlética é um macaco. Eles podiam colocar uma peruca de Bombril no macaco e vendê-lo no leilão de escravos pra reforçar a certeza de que são anti-racistas. Ficava perfeito.
QUE DROGA FORTE VOCÊS ANDAM TOMANDO, PESSOAL?!
