sábado, 29 de junho de 2013

Paulo Leminski Morte matada -biscate social clube


En la lucha de classes
todas las armas son buenas
piedras
noches
poemas

Paulo Leminski


Morte Matada
Publicado em 27 de junho de 2013 por Borboletas nos Olhos

Você sabe o que é morrer? Acabou vida. Acabou beijo na boca, beber cerveja, atravessar a rua, dizer palavrão, tacar o dedão na quina da mesa. Acabou rir com os amigos, abraçar gente querida, se meter em briga de bar, cutucar bicho de pé, comer de boca aberta, dormir até mais tarde. Acabou procurar emprego, reclamar do emprego, trocar de emprego, sonhar com emprego. Acabou trepar. Acabou beber café quente, jogar lixo no chão, dar um mergulho na praia, visitar a avó. Acabou batucar na caixa de fósforo, combinar balada, lavar louça, varrer chão. Acabou sentir fome, sono, medo, amor. Acabou ser biscate, falar mal de biscate, bater em biscate, defender biscate. Morrer, até prova em contrário, é isso aí: acabou. Não tem mais. Não tem mais vida. Não tem, nem vida biscate nem outra qualquer. Não tem. Acabou. Fim.

Pode-se morrer de tanta coisa: doença, acidente, tempo. Morte morrida e morte matada. E a gente, que fica, dá sentido (ou não). A gente chora. A gente sente falta. A gente dói. A gente lamenta.

E, algumas vezes, a gente ignora. Ou se indigna. E protesta. E esbraveja. E questiona. Estar na rua, no Brasil, mata. Mas mata com olho clínico, quase sempre. Mata negro. Mata pobre. Mata e a gente nem conta, nem nota, nem registra. Nem diz do jeito certo. Diz assim: morreu. Não morreu não, viu? Foi morto. Mataram.

Ontem, em Belo Horizonte, morreu um moço: Douglas Henrique Oliveira, estudante. Morreu. Mataram, digo eu. Caiu do viaduto, diz a notícia. Eu digo que foi morto pelo Estado. Hoje é estudante. Ontem, vivo e manifestando-se, talvez fosse “vândalo”, “baderneiro”. Eu leio por aí: tragédia. Eu digo: crime.

Antes (e as coisas acontecem e se atropelam e parecem demandar esquecimento, mas eu me recuso) morreram (morreram? mataram!) 12 pessoas no Conjunto de Favelas da Maré. Nas favelas as balas não são de borracha. Procuro os nomes para colocar aqui, no post, e não encontro. Ou antes, só o do sargento do BOPE, o 13º morto. Nossa sociedade é de privilégios, até ter nomeada a morte é um deles.

As justificativas são muitas e fáceis: era baderneiro, era bandido, era suspeito. A gente liga a televisão e a repórter nos esclarece: a polícia teve que reagir (coitada, a gente sente o tom pungente) contra esses vândalos (aí, sim, o tom ardente) que, que, que…ousam. Ousam questionar o status quo, a divisão de bens, ousam indignar-se e, algumas tristes vezes, ousam apenas isso: existir.

Mas o que é uma, duas, trezes, tantas vítimas, tantas mortes ante a preservação do patrimônio, não é?

Então, eu me indigno. Me revolto. Eu esbravejo. Eu choro. Minhas lágrimas e minha dor de pouco (pouco? nada) valem. Mas existem. Urge rever os valores que sustentam nossas relações sociais. É abominável que haja tanta lamentação por carros e concessionárias e móveis e tanto silêncio e indiferença à vida humana.

Ignorar essas mortes, colocá-las na conta dos equívocos, das tragédias, da única opção, é ser conivente com elas. É criminoso.

E toda essa ignomínia pode ser agravada. Hoje se vota a lei Antiterrorismo e, até eu que sou tola e Pollyana, passo os olhos e identifico a busca de criminalizar os movimentos sociais. E o que pode vir daí senão mais perdas, mais dores, ausências e mortes arbitrárias?

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