sábado, 29 de junho de 2013

Periferia se movimenta bbc




Lígia Teixeira *

De São Luís

'Em São Luís, a capital do Maranhão, um dos pontos mais interessantes é a participação de trabalhadores rurais e indígenas na agenda das manifestações.

No último dia 18, trabalhadores do interior do Estado bloquearam a entrada da cidade e seguiram em direção à sede maranhense do instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

A questão dos conflitos agrários no Maranhão e no Pará é bastante séria e atinge grande parte dos trabalhadores rurais dos dois Estados. Durante toda a semana, os trabalhadores rurais engrossaram as fileiras das demais manifestações ocorridas em São Luís.

Já os indígenas, aproveitaram a onda de protestos para fazer manifestações contra a falta de assistência médica nas tribos maranhenses de diversas etnias, principalmente a etnia guajajara, que concentra o maior número de indígenas no Estado. Algumas tribos chegaram a São Luís no último dia 24 para participar de atos públicos pela melhoria das condições de vida dos povos indígenas.

Alguns dos protestos são setorizados, oriundos da periferia e da zona rural e com um caráter difuso de reivindicações, geralmente relacionadas à ausência de políticas públicas voltadas para as comunidades mais pobres da cidade, sobretudo nas áreas de saúde e mobilidade urbana.


No dia 19, pelo menos 10 mil pessoas concentraram-se na chamada Esplanada dos Palácios, complexo de edificações que sediam os poderes Legislativo, Judiciário e Executivo municipal e estadual situado no entorno da Praça Pedro II, no centro da cidade.

O principal alvo desse protesto foi o domínio político da família Sarney. Exaltados, jovens tentaram invadir o Palácio dos Leões, sede do governo estadual, sendo duramente reprimidos pela tropa de choque e a cavalaria da Polícia Militar.

Outra manifestação que chamou bastante atenção na cidade ocorreu no último dia 22, quando 20 mil pessoas percorreram o centro da cidade e atravessaram a Ponte José Sarney, que liga as partes nova e velha da cidade.

Durante a travessia, os manifestantes rebatizaram simbolicamente a ponte de "Ponte Acorda Maranhão". Embora tenha sido possível ver cartazes expondo reivindicações de caráter plural, as palavras de ordem e a maioria dos cartazes dos participantes do ato expuseram a profunda insatisfação com o controle político da família Sarney há 47 anos no Estado (a atual governadora é Roseana Sarney, filha do ex-presidente José Sarney e que exerce o quarto mandato à frente do governo).

O Maranhão é o Estado com a maior taxa de exclusão digital do país. Ainda hoje são raros os lares que dispõem de internet banda larga, a maioria dos pontos de acesso são garantidos por conexão via rádio. Mesmo assim, a força da organização nas redes sociais (principalmente o Facebook) foi fundamental para a mobilização e realização dos atos. De qualquer maneira, certamente a grande repercussão dos protestos no país inteiro, transmitidos pela TV, também foi essencial para motivar a participação popular.

* Lígia Teixeira, de 35 anos, é natural de São Luís e é autora do blog Marrapá, que reúne textos sobre a situação social e a política da capital maranhense.



Luana Costa e Bruno Vieira *

De Belo Horizonte

'Em Belo Horizonte, a periferia também foi para as ruas. Mas, diferentemente dos movimentos articulados no Centro, ela saiu nas suas próprias "quebradas".

A BR-040, que dá acesso a Brasília, também dá acesso a Ribeirão das Neves, cidade cujos moradores ocuparam a rodovia protestando contra a empresa de ônibus da cidade. O transporte em Neves e na sua vizinha Esmeraldas é um dos mais precários da região metropolitana de BH, com passagens que chegam a R$ 6.

A reivindicação mais evidente nas manifestações foi por melhorias no transporte na cidade. Tanto na periferia como no centro de Belo Horizonte.

Mas as causas eram várias. A comunidade Olhos D'Água, do sudoeste da cidade, ocupou as vias do Anel Rodoviário pedindo ainda melhorias na saúde e na educação.

A Dandara, uma ocupação de 40 hectares situada entre os bairros Céu Azul e Nova Pampulha, onde vivem cerca de mil famílias, compareceu em peso às manifestações, divulgando a sua luta por moradia digna.

Mas em diferentes cantos da cidade bombas de efeito moral e balas de borracha disparadas pela Polícia Militar abalaram o caráter pacífico das manifestações.

Com isso, a brutalidade policial se tornou um dos temas dominantes. Vários atos de violência contra manifestantes, em sua maioria pacíficos, foram testemunhados nos protestos.

* Bruno Vieira, 27, e Luana Costa, 28, são moradores de Belo Horizonte. Ambos atuam no coletivo Clique Conexão Periférica, grupo formado por jovens jornalistas que discutem as periferias urbanas.



Paulo Talarico *

De Osasco (SP)

''Osasco tem mais shoppings do que hospitais." É o que diziam vários cartazes vistos nas manifestações realizadas na cidade (situada na Grande São Paulo).

A falta de médicos e a qualidade dos hospitais e postos de saúde na cidade são temas de reclamações constantes na cidade. No hospital central, a espera é grande para receber um atendimento.

Temos visto o crescimento comercial do município, em contraponto com a qualidade dos serviços oferecidos.

A melhoria do sistema de transportes acabou sendo o grande mote dos manifestantes. A cidade está com o trânsito estrangulado, em função da grande circulação de veículos do município e de outras cidades, que fogem das rodovias pedagiadas que cortam Osasco.

A revolta contra a corrupção estava presente em muitos cartazes. Osasco conta com um deputado federal condenado pela Justiça, que ainda aguarda recursos, e o candidato mais votado da cidade foi considerado "ficha suja".

Por fim, um cartaz ilustrou bem o sentimento sobre a prestação de serviços na cidade: "Os problemas de Osasco não cabem todos aqui".

* Paulo Talarico é integrante do Clique Mural, blog coletivo formado por repórteres da periferia de São Paulo e hospedado na Folha.com.

éssica Moreira *

De São Paulo

A periferia, mesmo composta por diversos bairros dormitórios, nunca dormiu. A história das cidades sempre é contada do centro para as bordas. Meu bairro, Perus (na zona noroeste de São Paulo), tem buscado, na falta de aparelhos culturais oficiais, realizar eventos alternativos, como saraus, oficinas de teatro e dança.

Essa é também a realidade em outros bairros. Mas aqui uma das maiores lutas atualmente é pela abertura do antigo prédio da Fábrica de Cimento de Perus. Espaço tombado como patrimônio histórico, mas que está totalmente abandonado pelo poder público.

Há movimentos bem organizados, que, antes do estouro das grandes manifestações, já haviam ido às ruas do bairro pedindo a abertura da fábrica e reivindicando mais políticas de saúde em Perus. Perus foi um dos bairros pioneiros da cidade de São Paulo na luta em prol de uma cidade sustentável quando um movimento dos moradores extinguiu o lixão do bairro.

Se antes a luta era erguida por movimentos de base, como as Centrais Eclesiásticas de Bases e os sindicatos, agora são os grupos culturais que iniciam as reivindicações. A Quilombaque Perus, o Grupo Pandora de Teatro e até a página do Facebook "Amigos de Perus" está trazendo importantes discussões sobre melhorias no bairro e também promovendo um verdadeiro levante na região.

Há saraus de poesia de ponta a ponta. Eventos em praça pública. Casas de cultura improvisadas na garagem de casa. Grupos de teatro contando a história local, fortalecendo as raízes. Quando dizemos que a periferia nunca dormiu, é porque há anos temos lutado por mais direitos. Seja por moradia, saúde ou educação.

Há cursinhos populares que incentivam os jovens da periferia a entrarem no ensino superior. Há mutirões erguendo casas. Há mães se unindo em prol de uma boa educação. Há movimentos, também, contra a poluição.

Temos ido para as ruas mesmo sem a autorização das autoridades. Vamos levando cultura, ocupando os espaços abandonados, gritando poesia sobre trilhos de trem. Reclamamos, mas antes disso, já estamos fazendo. Se você acordou agora, todo o povo agradece. Mas nós, de fato, nunca dormimos!

* Jéssica Moreira é integrante do Clique Mural, blog coletivo formado por repórteres da periferia de São Paulo e hospedado na Folha.com.




Romário Régis

De São Gonçalo

"Na primeira passeata ocorrida na cidade, no último dia 18, tivemos mais de 10 mil pessoas nas ruas. Um momento histórico. Nunca nenhum movimento tinha colocado tanta gente nas ruas como dessa vez.

Essa manifestação tem sido pedagógica, os movimentos sociais ainda são um pouco afastados e, sem querer, todos estão começando a interagir mais para entender melhor o que está acontecendo.

Em São Gonçalo, as cobranças mais claras estão relacionadas à construção da linha 3 do Metrô, por ser uma promessa de todos os governadores nos últimos 30 anos, mas que nunca foi cumprida. A Linha 3, sairia de Niterói e iria até às instalações do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj).

Dessa forma, iria desafogar muito o trânsito, melhorando a mobilidade da cidade. Essa foi uma promessa feita durante a campanha do (governador do RJ) Sérgio Cabral.

Outra cobrança é em relação à licitação dos transportes públicos da cidade, a fim de melhorar a qualidade de serviços. Muitos bairros não possuem linhas, e moradores têm de andar de 2 a 3 quilômetros para conseguir transporte.

Meu bairro, por exemplo, é servido por quatro linhas de ônibus, mas são todas da mesma empresa. Mesmo com a farta oferta, às vezes ficamos uma hora esperando no ponto.

Havia também reivindicações mais gerais, com cartazes e manifestantes gritando slogans sobre a Fazenda Colubandê, uma residência rural do século 18 e tombada em 1940, mas que permanece abandonada há muito tempo.

Vi centenas de pautas, desde a questão dos transportes, passando pela saúde, segurança, legalização da maconha. Talvez isso seja natural, o movimento só está mobilizando por não ter um programa pré-estabelecido e, talvez, com o amadurecimento, vá desenvolver essas pautas.''

* Romário Régis é coordenador da Clique Agência Papa Goiaba, em São Gonçalo, projeto de empreendedorismo social voltado para jovens.



Raika Julie e Silvana Bahia *

Do Rio de Janeiro

Moradores das favelas cariocas estiveram presentes nas manifestações desde o começo. A jornalista Thamyra Thâmara, da favela do Complexo do Alemão e integrante do coletivo OcupaALEMÃO, conta que no início dos protestos muitos moradores das comunidades não estavam levantando bandeiras específicas.

''No primeiro momento, estávamos lá mais como observadores. Documentando e buscando entender como aquilo tudo se relacionava com a gente diretamente, talvez buscando identificação com o movimento'', explica.

Diferentes coletivos de favelas estavam presentes nas manifestações. Alguns com o intuito de documentar o movimento em fotos e vídeos.

Foi o caso dos fotógrafos populares do projeto Imagens do Povo, da escola de fotografia da Favela da Maré, e do Fórum de Juventude do Rio de Janeiro, formado por jovens de diferentes comunidades.

Por meio das redes sociais, em especial pelo Facebook, vídeos feitos por comunicadores populares eram difundidos na internet, trazendo outros olhares sobre os protestos e as demandas de quem também é afetado diretamente com as mudanças na cidade - demandas que muitas vezes não são noticiadas.

No ato do dia 20, nas favelas do Complexo do Alemão e de Manguinhos, moradores se organizaram e fretaram dois ônibus para irem ao Centro.

A juventude das favelas sentiu a necessidade de ter uma participação mais ativa no movimento. E levou muita gente, exibindo reivindicações das comunidades cariocas: "Não às remoções"; "Contra o genocídio da juventude negra"; "UPPs e seus abusos"; "Contra a resolução 013", em menção à medida que impede a realização de eventos culturais, esportivos e sociais sem a autorização prévia das autoridades locais - no caso das favelas pacificadas, do comandante da UPP.

Thamyra resume o espírito da juventude: ''Estamos numa disputa de cidade e de discurso. Se a gente não aproveitar o 'bonde' e entrar agora, vamos entrar quando? Até quando a juventude de favela vai estar fora do debate da cidade, da cidadania, dos direitos?"

"Para mim, a manifestação em si não é o mais importante. O importante é o que vem daí. O que faremos a partir daí?'', indaga a jornalista.

* Raika Julie e Silvana Bahia são integrantes do projetoClique Observatório de Favelas, uma organização que faz pesquisas, consultorias e ações públicas sobre as favelas e fenômenos urbanos.

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