Os 12 mitos do capitalismo
23/1/2012 17:54,
Por Guilherme Alves Coelho - de Lisboa
Capitalismo
São muitos e variados os tipos e meios de manipulação em que a
ideologia burguesa se foi alicerçando ao longo do tempo. Um dos tipos
mais importantes são os mitos. Trata-se de um conjunto de falsas
verdades, mera propaganda que, repetidas à exaustão, sem qualquer
questionamento, ao longo de gerações, tornam-se verdades insofismáveis
aos olhos de muitos. Foram criadas para apresentar o
capitalismo
de forma crível perante as massas e obter o seu apoio ou passividade. Os
seus veículos mais importantes são a informação mediática, a educação
escolar, as tradições familiares, a doutrina das igrejas, etc*.
Um comentário amargo, e frequente após os períodos eleitorais, é o de
que “cada povo tem o governo que merece”. Trata-se de uma crítica
errônea, que pode levar ao conformismo e à inércia e castiga os menos
culpados. Não existem maus povos. Existem povos iletrados, mal
informados, enganados, manipulados, iludidos por máquinas de propaganda
que os atemorizam e lhes condicionam o pensamento. Todos os povos
merecem sempre governos melhores.
A mentira e a manipulação são hoje armas de opressão e destruição em
massa, tão eficazes e importantes como as armas de guerra tradicionais.
Em muitas ocasiões são complementares destas. Tanto servem para ganhar
eleições como para invadir e destruir países insubmissos.
São muitos e variados os tipos e meios de manipulação em que a ideologia capitalista se foi alicerçando ao longo do tempo.
Apresentam-se neste texto, sucintamente, alguns dos mitos mais comuns da mitologia capitalista.
• No capitalismo, qualquer pessoa pode enriquecer à custa do seu trabalho
Pretende-se fazer crer que o regime capitalista conduz automaticamente qualquer pessoa a ser rica desde que se esforce muito.
O objetivo oculto é obter o apoio acrítico dos trabalhadores no
sistema e a sua submissão, na esperança ilusória e culpabilizante em
caso de fracasso, de um dia virem a ser também, patrões de sucesso.
Na verdade, a probabilidade de sucesso no sistema capitalista para o
cidadão comum é igual a ganhar na loteria. O “sucesso capitalista” é,
com raras exceções, fruto da manipulação e da falta de escrúpulos dos
que dispõem de mais poder e influência. As fortunas em geral derivam
diretamente de formas fraudulentas de atuação.
Este mito de que o sucesso é fruto de uma mistura de trabalho duro,
alguma sorte, uma boa dose de fé e depende apenas da capacidade
empreendedora e competitiva de cada um, é um dos mitos que tem levado
mais pessoas a acreditar no sistema e a apoiá-lo. Mas também, após as
tentativas falhadas, a resignarem-se pelo aparente fracasso pessoal e a
esconderem que acreditam na indiferença. Trata-se dos tão apregoados
empreendedorismo e competitividade.
•
O capitalismo gera riqueza e bem-estar para todos
Pretende-se fazer crer que a fórmula capitalista de acumulação de
riqueza por uma minoria dará lugar, mais tarde ou mais cedo, à
redistribuição da mesma.
O objetivo é permitir que os patrões acumulem indefinidamente sem
serem questionados sobre a forma como o fizeram, nomeadamente sobre a
exploração dos trabalhadores. Ao mesmo tempo, mantêm nestes a esperança
de mais tarde serem recompensados pelo seu esforço e dedicação.
Na verdade, Marx já havia concluído em seus estudos que o objetivo
final do capitalismo não é a distribuição da riqueza, mas a sua
acumulação e concentração. O agravamento das diferenças entre ricos e
pobres nas últimas décadas, nomeadamente após o neoliberalismo, provou
isso claramente.
Este mito foi um dos mais difundidos durante a fase de “bem-estar
social” pós-guerra, para superar os estados socialistas. Com a queda do
adversário soviético, o capitalismo deixou também cair a máscara e
perdeu credibilidade.
•
Estamos todos no mesmo barco
Pretende-se fazer crer que não há classes na sociedade, pelo que as
responsabilidades pelos fracassos e crises são igualmente atribuídas a
todos e, portanto pagas por todos.
O objetivo é criar um complexo de culpa junto dos trabalhadores que
permita aos capitalistas arrecadar os lucros enquanto distribuem as
despesas por todo o povo.
Na verdade, o pequeno número de multimilionários, porque detém o
poder, é sempre autobeneficiado em relação à imensa maioria do povo,
quer em impostos, quer em tráfico de influências, quer na especulação
financeira, quer em off-shores, quer na corrupção e nepotismo etc. Esse
núcleo, que constitui a classe dominante, pretende assim escamotear que é
o único e exclusivo responsável pela situação de penúria dos povos e
que deve pagar por isso.
Este é um dos mitos mais ideológicos do capitalismo ao negar a existência de classes.
•
Liberdade é igual a capitalismo
Pretende-se fazer crer que a verdadeira liberdade só se atinge com o
capitalismo, através da chamada autorregulação proporcionada pelo
mercado.
O objetivo aí é tornar o capitalismo uma espécie de religião em que
tudo se organiza em seu redor e assim afastar os povos das grandes
decisões macro-econômicas, indiscutíveis. A liberdade de negociar sem
amarras seria o máximo da liberdade.
Na verdade, sabe-se que as estratégias político-económicas, muitas
delas planejadas com grande antecipação, são quase sempre tomadas por um
pequeno número de pessoas poderosas, à revelia dos povos e dos poderes
instituídos, a quem ditam as suas orientações. Nessas reuniões, em
cúpulas restritas e mesmo secretas, são definidas as grandes decisões
financeiras e econômicas conjunturais ou estratégicas de longo prazo.
Todas, ou quase todas essas resoluções, são fruto de negociações e
acordos mais ou menos secretos entre os maiores empresas e
multinacionais mundiais. O mercado é, pois, manipulado e não
autorregulado. A liberdade plena no capitalismo existe de fato, mas
apenas para os ricos e poderosos.
Este mito tem sido utilizado pelos dirigentes capitalistas para
justificar, por exemplo, intervenções em outros países não submissos ao
capitalismo, argumentando não haver neles liberdade, porque há regras.
•
Capitalismo igual a democracia
Pretende-se fazer crer que apenas no capitalismo há democracia.
O objetivo deste mito, que é complementar ao anterior, é impedir a
discussão de outros modelos de sociedade, afirmando não haver
alternativas a esse modelo e todos os outros serem ditaduras. Trata-se
mais uma vez da apropriação pelo capitalismo, falseando-lhes o sentido,
de conceitos caros aos povos, tais como liberdade e democracia.
Na realidade, estando a sociedade dividida em classes, a classe mais
rica, embora seja ultraminoritária, domina sobre todas as demais.
Trata-se da negação da democracia que, por definição, é o governo do
povo, logo, da maioria. Esta “democracia” não passa, pois de uma
ditadura disfarçada. As “reformas democráticas” não são mais que
retrocessos, reações ao progresso. Daí deriva o termo reacionário, o que
anda para trás.
Tal como o anterior, este mito também serve de pretexto para criticar e atacar os regimes de países não-capitalistas.
•
Eleições igual a democracia
Pretende-se fazer crer que o ato eleitoral é o sinônimo da democracia e esta se esgota nele.
O objetivo é denegrir ou diabolizar e impedir a discussão de outros
sistemas político-eleitorais em que os dirigentes são estabelecidos por
formas diversas das eleições burguesas, como por exemplo, pela idade,
experiência, aceitação popular etc.
Na verdade, é no sistema capitalista, que tudo manipula e corrompe,
que o voto é condicionado e as eleições são atos meramente formais. O
simples fato de a classe burguesa minoritária vencer sempre as eleições
demonstra o seu carácter não-representativo.
O mito de que, onde há eleições há democracia, é um dos mais enraizados, mesmo em algumas forças de esquerda.
•
Partidos alternantes igual a alternativos
Pretende-se fazer crer que os partidos burgueses que se alternam periodicamente no poder têm políticas alternativas.
O objetivo deste mito é perpetuar o sistema dentro dos limites da
classe dominante, alimentando o mito de que a democracia está reduzida
ao ato eleitoral.
Na verdade, este aparente sistema pluri ou bipartidário é um sistema
monopartidário. Duas ou mais facções da mesma organização política,
partilhando políticas capitalistas idênticas e complementares,
alternam-se no poder, simulando partidos independentes, com políticas
alternativas. O que é dado escolher aos povos não é o sistema que é
sempre o capitalismo, mas apenas os agentes partidários que estão de
turno como seus guardiões e continuadores.
O mito de que os partidos burgueses têm políticas independentes da
classe dominante, chegando até a ser opostas, é um dos mais divulgados e
importantes para manter o sistema a funcionar.
•
O eleito representa o povo e por isso pode decidir tudo por ele
Pretende-se fazer crer que o político, uma vez eleito, adquire plenos poderes e pode governar como quiser.
O objetivo deste mito é iludir o povo com promessas vãs e escamotear as verdadeiras medidas que serão levadas à prática.
Na verdade, uma vez no poder, o eleito autoassume novos poderes. Não
cumpre o que prometeu e, o que é ainda mais grave, põe em prática
medidas não enunciadas antes, muitas vezes em sentido oposto e até
inconstitucionais. Frequentemente, são eleitos por minorias de votantes.
Ao meio dos mandatos, já atingiram índices de popularidade mínimos.
Nestes casos de ausência ou perda progressiva de representatividade, o
sistema não contempla quaisquer formas constitucionais de destituição.
Esta perda de representatividade é uma das razões que impede as
“democracias” capitalistas de serem verdadeiras democracias, tornando-se
ditaduras disfarçadas.
A prática sistemática deste processo de falsificação da democracia
tornou este mito um dos mais desacreditados, sendo uma das causas
principais da crescente abstenção eleitoral.
•
Não há alternativas à política capitalista
Pretende-se fazer crer que o capitalismo, embora não sendo perfeito, é
o único regime político-econômico possível e, portanto, o mais
adequado.
O objetivo é impedir que outros sistemas sejam conhecidos e
comparados, usando todos os meios, incluindo a força, para afastar a
competição.
Na realidade, existem outros sistemas político-económicos, sendo o
mais conhecido o socialismo cientifico. Mesmo dentro do capitalismo, há
modalidades que vão desde o atual neoliberalismo aos reformistas do
“socialismo democrático” ou socialdemocrata.
Este mito faz parte da tentativa de intimidação dos povos de impedir a
discussão de alternativas ao capitalismo, a que se convencionou chamar o
pensamento único.
•
A austeridade gera riqueza
Pretende-se fazer crer que a culpa das crises econômicas é originada
pelo excesso de regalias dos trabalhadores. Se estas forem retiradas, o
Estado poupa e o país enriquece.
O objetivo é fundamentalmente transferir para o setor público, para o
povo em geral e para os trabalhadores, a responsabilidade do pagamento
das dividas dos capitalistas. Fazer o povo aceitar a pilhagem dos seus
bens na crença de que dias melhores virão mais tarde. Destina-se também a
facilitar a privatização dos bens públicos, “emagrecendo” o Estado,
logo “poupando”, sem referir que esses setores eram os mais rentáveis do
Estado, cujos lucros futuros se perdem desta forma.
Na verdade, constata-se que estas políticas conduzem, ano após ano, a
um empobrecimento das receitas do Estado e a uma diminuição das
regalias, direitos e do nível de vida dos povos, que antes estavam
assegurados por elas.
•
Estado menor, Estado melhor
Pretende-se fazer crer que o setor privado administra melhor o Estado do que o setor público.
O objetivo dos capitalistas é “dourar a pílula” para facilitar a
apropriação do patrimônio, das funções e dos bens rentáveis dos Estados.
É complementar do anterior.
Na verdade o que acontece em geral é o contrário: os serviços
públicos privatizados não apenas se tornam piores, como as tributações e
as prestações são agravadas. O balanço dos resultados dos serviços
prestados após passarem a privados é quase sempre pior que o anterior.
Na ótica capitalista, a prestação de serviços públicos não passa de mera
oportunidade de negócio. Este mito é um dos mais “ideológicos” do
capitalismo neoliberal. Nele está subjacente a filosofia de que quem
deve governar são os privados e o Estado apenas dá apoio.
•
A atual crise é passageira eserá resolvida para o bem dos povos
Pretende-se fazer crer que a atual crise econômico-financeira é mais
uma crise cíclica habitual do capitalismo e não uma crise sistêmica ou
final.
O objetivo dos capitalistas, com destaque para os financeiros, é
seguir na pilhagem dos Estados e na exploração dos povos enquanto
puderem. Tem servido ainda para alguns políticos se manterem no poder,
alimentando a esperança junto dos povos de que melhores dias virão se
continuarem a votar neles.
Na verdade, tal como previu Marx, do que se trata é da crise final do
sistema capitalista, com o crescente aumento da contradição entre o
carácter social da produção e o lucro privado, até se tornar insolúvel.
Alguns, entre os quais os “socialistas” e sociais-democratas, que
afirmam poder manter o capitalismo, embora de forma mitigada, afirmam
que a crise deriva apenas de erros dos políticos, da ganância dos
banqueiros e especuladores ou da falta de ideias dos dirigentes ou
mecanismos que ainda falta resolver. No entanto, aquilo a que assistimos
é ao agravamento permanente do nível de vida dos povos sem que esteja à
vista qualquer esperança de melhoria. Dentro do sistema capitalista já
nada mais há a esperar de bom.
Nota final
O capitalismo há de acabar, mas se for por ele mesmo isso ocorrerá
muito lentamente e com imensos sacrifícios dos povos. Terá que ser
empurrado. Devem ser combatidas as ilusões, quer daqueles que julgam o
capitalismo reformável, quer daqueles que acham que quanto pior melhor,
para o capitalismo cair de podre. O capitalismo tudo fará para vender
cara a derrota. Por isso, quanto mais rápido os povos se libertarem
desse sistema injusto e cruel, mais sacrifícios inúteis se poderão
evitar.
Hoje, mais do que nunca, é necessário criar barreiras ao assalto
final da barbárie capitalista, e inverter a situação, quer apresentando
claramente outras soluções políticas, quer combatendo o obscurantismo
pelo esclarecimento, quer mobilizando e organizando os povos.
(*) Os mitos criados pelas religiões cristãs têm muito peso no
pensamento único capitalista e são avidamente apropriados por ele para
facilitar a aceitação do sistema pelos mais crédulos. Exemplos: “A
pobreza é uma situação passageira da vida terrena.” “Sempre houve ricos e
pobres.” “O rico será castigado no juízo final.” “Deve-se aguentar o
sofrimento sem revolta para mais tarde ser recompensado.”
Guilherme Alves Coelho é jornalista.
Publicado originariamente no jornal português O diário