Paulo Arantes: “Nós estamos afundando não é pela repressão, nós estamos afundando internamente…”
05/01/2011
Abaixo, transcrevemos a breve
fala do professor Paulo Eduardo Arantes, em 30 de novembro do ano
passado, quando foi realizado na Universidade de São Paulo ato contra a criminalização da política na USP, que além de protestar contra o crescente clima de perseguição e repressão,
prestava solidariedade aos estudantes e funcionários sindicados ou
processados pela reitoria dessa universidade. O professor Arantes
destacou principalmente o estado de derrisão que grassa na categoria dos
professores, que, segundo ele, seria um dos fatores responsáveis pela
implosão da universidade.
“Eu gostaria de fazer uma breve evocação e depois um breve comentário.
A evocação já foi feita pelo professor
João Adolfo Hansen, que é a seguinte: na Ocupação da Reitoria de 2007
foi constituída uma comissão negociadora, que negociou com a reitora os
termos da desocupação da reitoria, e uma das cláusulas é a de que não
haveria nenhuma retaliação ou punição por motivos políticos. Os
eventuais danos patrimoniais seriam objeto de uma investigação a parte,
documentada, segundo os trâmites legais cabíveis. Isso foi totalmente
ignorado. Um dos negociadores dessa cláusula, eu gostaria de evocar. Foi
o professor István Jancsó, que faleceu recentemente, e que não pode ser
esquecido, não apenas por esse episódio. O professor István Jancsó
começou aqui na História. Grande e iminente historiador, especialista na
história colonial brasileira, sobretudo nas grandes rebeliões baianas
da época da independência, um estudioso da história do Brasil, é um
exemplo de muitas coisas, não só do que é o ato docente, do que
significa ser professor, mas ele é um exemplo de algo que nós estamos
descuidando nesse momento.
Foram convidados vários professores [faz alusão ao ato e a baixa presença de professores], eu sei disso. Estou beirando os 70. Nós somos uma espécie de vitrine [faz referência aos integrantes da mesa], nós somos a cereja do bolo para estancar um pouco a sangria.
Mas é preciso aprofundar isso, este
momento é um ato de solidariedade aos estudantes que estão sendo
perseguidos, por inépcia jurídica inclusive, e aos funcionários. Mas é
importante lembrar que a universidade também é composta de professores, e
nós precisamos multiplicar os Istváns da vida. Se não fosse o István… o
István chegou a dar plantão, chegou a dormir na universidade. E ele
tinha uma saúde frágil, por várias razões, inclusive porque havia sido
torturado pela ditadura, ele é um veterano de 1964. De modo que essa
memória que está encarnada pelos professores, não pode ser desativada.
Não quero fazer nenhuma alusão macabra,
mas olhando para os meus colegas [dirigindo-se aos professores presentes
à mesa], nós vamos morrer daqui a pouco e é necessário… e são sempre os
mesmos, e cada vez que encontro os mesmos, alguns já estão grisalhos,
outros nem estão mais aqui. De modo que é necessário providenciar uma
mudança de quadros, e isso só é possível se nós tivermos uma estratégia
de convencimento dos professores, inclusive lembrar a sua própria
memória institucional, que estava presente no István Jancsó desde o
inicio. E o István morreu há poucos meses. Fora uma ou outra homenagem
pontual e escondida, sua morte passou em brancas nuvens. Porque essas
coisas acontecem, como o falecimento [do István], e passam em
brancas nuvens… essas pequenas barbaridades que nós estamos
testemunhando agora podem se avolumar na mais completa indiferença e
impunidade, porque os colegas dele, assim como foram indiferentes à
passagem dele pela Universidade de São Paulo, são indiferentes ou pouco
estão ligando ao que reitor atual está fazendo… uma truculência a mais…
estão todos anestesiados.
Era isso que eu queria dizer. É apenas um recado. Lembrem-se de personagens desse porte.
Nós estamos afundando não é pela
repressão, nós estamos afundando internamente, é uma implosão, e essa
implosão começou há uns 20 e poucos anos atrás pelo corpo docente,
depois chegou aos estudantes e funcionários.”
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