Comunismo, comunistas e a vida de Tina Modotti em quadrinhos
“Quando quero me lembrar de Tina Modotti devo fazer um esforço,
como se se tratasse de recolher um punhado de névoa. Frágil, quase invisível.
Eu a conheci ou não a conheci?”
(Pablo Neruda)
como se se tratasse de recolher um punhado de névoa. Frágil, quase invisível.
Eu a conheci ou não a conheci?”
(Pablo Neruda)
Tina Modotti (do Modotti.com) |
Tenho o prazer de conhecer e conviver com alguns e algumas comunistas
convictos/as. Claro que tenho críticas a certas experiências comunistas
por aí (afinal, parece que tenho críticas a tudo ou quase, muito
provavelmente). Não se comparam, porém, às críticas que tenho a outras
propostas de organização da vida social, econômica e política. O ideal
de sociedade comunista não é, além disso, o único que me agrada. A
humanidade tem sido bem criativa em elaborar diferentes formas de viver e
há em diversas delas elementos que admiro e outros que detesto. Por
isso não tenho me classificado, pelo menos por enquanto, como comunista
ou como qualquer outro “ista” destes que significam um projeto político
de sociedade e Estado.
À parte tudo isto, percebo como o comunismo é no senso comum
injustiçado. Uma série de pessoas provavelmente começarão e ler o texto,
ou chegarão apenas ao título e sequer se mostrarão abertas a conhecer o
conteúdo. Afinal, a palavra (quase palavrão) “comunista” está lá e,
para grande parte das pessoas, dada uma ignorância que não se conserta
do dia pra noite, “comunista” é sinônimo de ditadura, autoritarismo,
luta armada (que horror, armamento só é bom pra tirar estudante de
reitoria ocupada e destruir bairros pobres inteiros ‘limpando’ minha
bela cidade), e por aí vamos. Essa galera não se importa – e
provavelmente vai pular o post – em saber o que, de fato, é o comunismo.
Bom, não estou aqui pra dar aulas e há dezenas, talvez centenas de
propostas já discutidas durante o século 20 de estratégias para se
estabelecer o comunismo em diferentes contextos sociais, políticos,
econômicos. Não existe uma cartilha comunista única. O comunismo é, como
o capitalismo também deveria ser (e até certo ponto penso até que
seja), um projeto em disputa. Eu adoraria indicar a página da wikipedia
sobre Comunismo para vocês, mas acho que tem bastante bobagem lá, então
tento resumir no seguinte: o comunismo é um ideal de vida em que, no
aspecto social, não haja classes ou castas; no aspecto econômico a
propriedade e produção sejam de todos e todas e o trabalho seja
dividido; no aspecto político não haja um Estado representativo de um ou
poucos grupos governando a todo o resto. Me diga se agora parece uma
ideia tão ruim pra você.
A militância comunista ao longo do século 20 utilizou-se de diversos
métodos. Por ser uma forma de conceber o mundo que vai contra os
princípios básicos do sistema em que vivemos em países ocidentais e/ou
ocidentalizados desde pelo menos a revolução industrial, nunca foi muito
bem-visto, nem pelos grupos sociais que mais se beneficiam da estrutura
atual e nem por uma fatia larga dos grupos sociais diretamente
explorados por ela. As pessoas em ambas as situações foram educadas
sobre princípios do capitalismo muito difíceis de serem quebrados. Um
ótimo exemplo é a ideia de propriedade privada. Pouquíssima gente
consegue conceber não “ter” nada e compartilhar tudo.
A existência dessa militância foi essencial para que, mesmo que de forma
limitada, houvesse uma sensação de que outras formas de organizar a
sociedade são possíveis. Os ativistas que hoje reivindicam “um outro
mundo”, “fim da desigualdade” e até “sustentabilidade” devem muito
(embora geralmente não reconheçam) aos comunistas do século passado.
Houve momentos, como a nossa ditadura militar, em que não era possível
agir, como alguns propõem hoje, “nas regras do jogo”.
Livro de Ángel de la Calle R$39 na Livraria Cultura |
Por tudo isso (e talvez também por outras coisas que não me vêm à cabeça
agora) aqueceu meu coração ganhar de aniversário, da Andrea (que
escreve aqui), o livro “Modotti – Uma mulher do século XX”, do
quadrinista Ángel de la Calle. Devorei o presente e só dei uma paradinha
no final, “pra durar mais”, como quem come um doce que não quer que
acabe nunca. Por meio de sua obsessão com a vida de Tina Modotti, o
autor me envolveu completamente na biografia desta heroína.
Mas afinal, quem foi Tina Modotti?
Tina era italiana e consagrou-se no México como fotógrafa. Foi lá que
passou a militar no Partido Comunista, junto a Diego Rivera e tantos
outros companheiros de luta. Após o episódio traumático de assassinato
de seu então amor, Julio Antonio Mella, ela é forçada a exilar-se. Na
Alemanha abandona a fotografia e passa a dedicar-se exclusivamente à
causa comunista, trabalhando para o Socorro Vermelho Internacional
(http://en.wikipedia.org/wiki/International_Red_Aid). Muda-se para a
Rússia, onde conhece personalidades da política e da arte política como
Sergei Eisenstein e engaja-se em missões internacionais de apoio à
revolução. Atua na falida revolução espanhola e após uma viagem a Nova
York retorna ao México. Suspeita vítima de envenenamento, Modotti morre
no banco de trás de um táxi, em 1942.
A história de Modotti contada por De La Calle é um alento a todas as
mulheres que desejam ser livres. Excluídas da política e do privilégio
de serem soberanas de seus próprios corpos por séculos, tornam-se
protagonistas de atos de liberdade incondicionais. Ter muitos amantes,
viajar sozinha, ser artista, engajar-se na política, lutar uma
revolução. Não poderia haver melhor subtítulo para a obra em quadrinhos
que, como toda história real, tem uma certa dose de ficção. Tina
canalizava, afinal, a mulher do século 20.
A heroínas como ela deveríamos agradecer todas.
* * *
Tina Modotti murió
(Pablo Neruda)
“Tina Modotti, hermana, no duermas, no, no duermas
tal vez tu corazon oye crecer la rosa
de ayer, la última rosa de ayer, la nueva rosa.
Descansa dulcemente, hermana.
La nueva rosa es tuya, la nueva tierra es tuya:
Te has puesto un nuevo traje de semilla profunda
Y tu suave silencio se llena de raíces.
No dormirás en vano, hermana.
Puro es tu nombre, pura es tu frágil vida
De abeja, sombra, fuego, nieve, silencio, espuma,
De acero, línea, polen, se construyó tu férrea,
tu delicada estructura.
El chacal a la alhaja de tu cuerpo dormido
aún asoma la pluma y el alma ensangrentada
como si pudieras, hermana, levantarte,
sonriendo sobre lodo.
A mi patria te
llevo para que no te toquen,
a mi patria de nieve para que tu pureza
no llegue el asesino, ni el chacal, ni el vendido:
Allí estarás tranquila.
¿Oyes mi paso, un paso lleno de pasos, algo
grande desde la estepa, desde el Don, desde el frío?
¿Oyes un paso firme de soldado en la nieve?
Hermana, son tus pasos.
Ya pasarán un día por tu pequeña tumba
antes de que las rosas de ayer se desbaraten.
Ya pasarán a ver los días, mañana,
donde está ardiendo tu silencio.
Un mundo marcha al sitio donde tú ibas, hermana.
Avanzan cada día cantos de tu boca,
en la boca del pueblo glorioso que tú amabas.
Tu corazón era valiente.
En las viejas cocinas de tu patria, en las rutas
polvorientas, algo se dice y pasa,
algo vuelve a la llama de tu dorado pueblo,
algo despierta y canta.
Son los tuyos, hermana: los que hoy dicen tu nombre
los que de todas partes, del agua y de la tirra,
con tu nombre otros nombres callamos y decimos
Porque el fuego no muere.”
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