POR MARINA W.
EM 11/01/2013 ÀS 05:42 PM
publicado em inéditos
Todas as mulheres deveriam ter quatorze anos.Nelson Rodrigues
Como
era mesmo o nome dela? Lembrava da saia do colegial, dobrada na cintura
para parecer mais curta, até a madre superiora aparecer do nada, “Desce
a saia, arruma as meias”. Quantos anos ela teria? Quatorze. Os cabelos
quase lisos desciam até os ombros, quando não estavam presos num rabo de
cavalo com elásticos que ela conseguia no almoxarifado. O servente
oferecia canetas, apontadores, cadernos pautados, elásticos, qualquer
coisa que ela pedisse. Devia ser por causa da saia dobrada ou dos olhos
castanhos amendoados. Os cílios. Em lugar do sutiã, usava uma camiseta
sem mangas e, encoberta pela camisa da escola, uma medalhinha num cordão
de ouro. Como era mesmo o seu nome? Ela carregava os livros e cadernos
junto ao peito, antes de começar a usar fichários. Sua letra era
apressada, abreviava as palavras ditadas pelo professor de ciências,
mordia a ponta do lápis, fazia círculos na última página do caderno,
espirais, estrelas. Eu me sentava atrás dela, ainda usava bermudas e meu
rosto era coberto por um óculos de grau e meia dúzia de espinhas.
Garotos assim apenas admiram e se apaixonam. E eu olhava pra ela na fila
da cantina e depois quando jogava pingue pongue, a raquete e o
sanduíche que ela comia pelas beiradas, virando o pão em sentido
circular, hábito que, por ela, acabei adquirindo por toda à vida. Não
era boa aluna, mas não acumulava notas vermelhas. Tinha uma amiga muito
gorda, cujo apelido era este, que sabia seus segredos. Muitas vezes vi a
Gorda segurando sua mão, enquanto ela chorava no recreio. Por que ela
chorava? Como era mesmo o seu nome? Daria tudo para lembrar. Onde eu
sentava podia sentir o perfume que vinha dos seus cabelos, o perfume da
nuca visível. Não era de frasco nem sabonete, isso eu tinha certeza. Era
o cheiro da sua pele que fugia do alcance do corpo e se espalhava pela
sala inteira, como um jasmineiro. Um dia ela pediu minha borracha
emprestada, que entreguei com as mãos trêmulas. Ela devolveu minutos
depois, com o desenho de um coração vermelho. “Você se importa?”,
perguntou, enquanto eu olhava a borracha, o coração arredondado,
flechado por uma seta. Eu era muito jovem para adivinhar se havia ou não
algum tipo de malícia naquele rosto, os cílios inocentes, a pele quase
morena. Ela devia ter quatorze anos, as meias desabando perna abaixo, a
saia plissada azul marinho dobrada na cintura.
Debaixo da saia, as coxas.
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