blog do bourdoukan: ATÉ QUANDO?: Eduardo Galeano (*) Um país bombardeia dois países. A impunidade poderia ser assombrosa, se não fosse costumeira. Alguns tí...
Recordar-se não é o mesmo que lembrar-se;
não são de maneira nenhuma idênticos. A gente pode muito bem lembrar-se de um
evento, rememorá-lo com todos os pormenores, sem por isso dele ter a
recordação. A memória não é mais do que uma condição transitória da recordação:
ela permite ao vivido que se apresente para consagrar a recordação. Esta
distinção torna-se manifesta ao exame das diversas idades da vida. O velho
perde a memória, que geralmente é de todas as faculdades a primeira a
desaparecer. No entanto, o velho tem algo de poeta; a imaginação popular vê no
velho um profeta, animado pelo espírito divino. Mas a recordação é a sua melhor
força, a consolação que os sustenta, porque lhe dá a visão distante, a visão de
poeta. Ao invés, o moço possui a memória em alto grau, usa dela com facilidade,
mas falta-lhe o mínimo dom de se recordar. Em vez de dizer: «aprendido na mocidade,
conservado na velhice», poderíamos propor: «memória na mocidade, recordação na
velhice». Os óculos dos velhos são graduados para ver ao perto; mas o moço que
tem de usar óculos, usa-os para ver ao longe; porque lhe falta o poder da
recordação, que tem por efeito afastar, distanciar.
Apesar de se distinguirem por grande diferença, a recordação e a memória são por vezes tomadas uma pela outra. A recordação é efectivamente idealidade, mas como tal, implica uma responsabilidade muito maior do que a memória, que é indiferente ao ideal.
A recordação tem por fim evitar as soluções de continuidade na vida humana e dar ao homem a certeza de que a sua passagem pela terra efectua uno tenore, num só traço, num soporo, e pode exprimir-se na unidade. Assim se liberta ela da necessidade em que a língua se encontra de repassar incessantemente pelas mesmas tagarelices, para reproduzir aquelas de que a vida se encontra repleta. A condição da imortalidade do homem é que a vida dele decorra uno tenore.
Soren Kierkegaard, in "O Banquete"
Memória vs Recordação - As Armas da Juventude e da Velhice
A feliz recordação do velho é, como a feliz
facilidade do moço, um gracioso dom da natureza, da natureza que protege com
seus cuidados maternais as duas idades da vida que mais precisam de socorro, se
bem que, em certo sentido, sejam também as mais favorecidas. Mas é por isso
também que a recordação, tal como a memória, muitas vezes não passa de
portadora dos dados mais acidentais.
Apesar de se distinguirem por grande diferença, a recordação e a memória são por vezes tomadas uma pela outra. A recordação é efectivamente idealidade, mas como tal, implica uma responsabilidade muito maior do que a memória, que é indiferente ao ideal.
A recordação tem por fim evitar as soluções de continuidade na vida humana e dar ao homem a certeza de que a sua passagem pela terra efectua uno tenore, num só traço, num soporo, e pode exprimir-se na unidade. Assim se liberta ela da necessidade em que a língua se encontra de repassar incessantemente pelas mesmas tagarelices, para reproduzir aquelas de que a vida se encontra repleta. A condição da imortalidade do homem é que a vida dele decorra uno tenore.
Soren Kierkegaard, in "O Banquete"
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