Militância
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Por Thais Justen*, Biscate Convidada
O que alguns militantes esquecem é seu
lugar de privilégio na militância e no mundo, pelo simples fato de serem
homens. Você sabe, militante, o que é ter medo de ir numa reunião
porque o lugar é escuro? e porque, se for estuprada, vão dizer que a
culpa é sua? sabe o que é estar numa reunião num lugar muito quente e
com pouca água e não poder usar roupas curtas ou tirar a camisa, porque
os companheiros de luta dizem que, neste caso, isso estaria
desrespeitando eles? sabe o que é estar numa reunião e um homem dizer
aos outros que não falará com você porque certamente você não entende
tanto quanto eles(homens) sobre algum assunto qualquer independente da
sua formação ou vivência, só por ser de outro gênero? sabe o que é após
ter ocupado um imóvel ter um companheiro que se recusa a levar o prato
pro local que foi escolhido pra ser a cozinha o que dirá então lavá-lo, e
ainda por cima te chama pra fazer isso, porque afinal, você é mulher?
Eu poderia dar mais exemplos que você
certamente não vive na pele, como, por exemplo, a possibilidade de ser
excluída de um meio de militância porquê já transou com vários de lá. Ou
o horror de ser estuprada numa ocupação e os companheiros de luta ainda
dizerem que a culpa é sua porque já dormiu com vários. Ou o abandono de
ser estuprada por seu companheiro que é militante e os companheiros de
luta falarem que ele é um bom homem, por isso não farão nada. Ou ainda o
medo de ir aos espaços de militância porque já apanhou de algum
companheiro de luta que, em algum momento, foi seu namorado, e os outros
companheiros de luta não considerarem isso um assunto importante.
Um lugar de privilégio, o seu, que
ignora quem não pode ir às reuniões porque tem filhos e os espaços de
militância não são adequados a presença de crianças e afinal, como a
responsabilidade pela criação dos filhos é da mãe – diz a sociedade –
ela não vai pra reunião pra cuidar de seu filho mas o companheiro vai.
Um lugar de privilégio indiferente ao fato de que existe quem tem que se
preocupar mais com preservativos, porque se engravidar e não puder
abortar (e mesmo podendo, arcar com o julgamento e condenação social) é
sobre ela que o peso da criação vai cair. E tem a questão, que você não
pensa, do problema de que se não consegue gozar, não há ajuda pra isso,
enquanto pros homens existem vários medicamentos pra impotência, e
contraditoriamente, se goza com facilidade também é problema, porque aí
os companheiros de luta que se deitarem com você podem achar que “não é
boa pra casar” porque gosta muito de sexo.
Mas não, certamente você não sabe o que
são essas preocupações, e aí, sendo homem, é muito fácil falar que o
movimento que quer acabar com a sua hegemonia – ou seja, seu poder de
bater, estuprar, não cuidar dos filhos, não pegar tarefas de cozinha, e
ainda ser considerado bom militante – enfim, falar que esse movimento
está errado, e deve se preocupar com a classe trabalhadora apenas, sem
gênero, porque, afinal isso te interessa. Que mundo bom seria pros
homens se vivêssemos no socialismo, não houvesse mais patrões, mas as
mulheres continuassem a ter dupla jornada, o sexo continuasse a ser
focado no homem e o prazer da mulher permanecesse não sendo importante,
num mundo onde “ser muito homem” continuasse a ser um elogio e ser
“mulherzinha”, um xingamento. E que mundo merda seria esse pras
mulheres…
Como disse Bakunin, não poderei ser um
homem verdadeiramente livre até que esteja cercado de homens
verdadeiramente livres também, pois a existência de um único escravo
basta para diminuir minha liberdade. Assim, só poderei ser uma mulher
livre no dia que ninguém puder ser estuprada por ser mulher. Pois
enquanto puderem estuprar uma burguesa por ser mulher, as proletárias
também poderão ser estupradas pelo mesmo motivo (coisa que não ocorre
com os homens, frise-se, pois nenhum homem é estuprado apenas por ser
homem e/ou por usar pouca roupa). Assim também, nenhum homem, mulher,
intersex etc, poderá ser livre enquanto alguma categoria não for, só
seremos realmente livres quando nem mulheres, nem negrxs, nem indigenas,
nem homossexuais forem vitimas de opressão!