Vamos fazer as devidas ressalvas primeiro, antes que a
polícia de plantão venha me dizer que estou fazendo um desserviço à
ciência brasileira. É claro que gostaria de ver mais jovens se tornarem
cientistas, e quero contribuir para isso. Mas decidi que faz parte do
meu trabalho de divulgação científica tornar público e notório como é se
tornar cientista no Brasil. Meus objetivos aqui são promover a
conscientização das pessoas sobre a realidade da carreira de um
cientista e, quem sabe, gerar com isso um certo espanto e revolta; e
contribuir para que a escolha dos jovens por uma carreira em pesquisa
seja consciente,
apesar de tudo o que vem a seguir. Mas,
sobretudo, o que eu gostaria é de gerar indignação suficiente para fazer
a carreira de cientista (1) passar a existir de fato, e (2) ser
valorizada.
Feitas as ressalvas, vamos então à minha campanha de anti-propaganda sobre a ciência no Brasil!
Você que é jovem e está considerando se tornar pesquisador: você sabia que...
- durante a faculdade, seus estágios de iniciação científica serão
remunerados em apenas 400 reais - isso mesmo, menos do que um salário
mínimo? Este é o valor atual definido pelo
CNPq.
E isso é SE você conseguir bolsa de iniciação científica, porque a
Faperj, por exemplo, atualmente limita a sua concessão a UMA bolsa por
pesquisador, e o CNPq-PIBIC a duas bolsas. Em um laboratório de tamanho
médio, isso já não será suficiente para garantir bolsas a todos os
estagiários - o que significa que é vexaminosamente comum termos
estagiários trabalhando de graça;
- quando terminar a faculdade, a não ser que consiga emprego na
indústria ou em empresas privadas, para fazer pesquisa você precisará
concorrer a bolsas de R$ 1.350 para fazer mestrado? Enquanto isso, seus
colegas formados em administração, engenharia, advocacia já estarão
entrando para o mercado de trabalho, ganhando salários iniciais (com
todos os direitos trabalhistas) de 3 a 7 mil reais reais ou mais. Ah, eu
mencionei que, embora se espere que você trabalhe 40 horas por semana
em dedicação exclusiva durante o mestrado, você não terá qualquer
direito trabalhista? Isto porque o seu trabalho ainda não é considerado,
ahn, trabalho...
- ...é mais fácil conseguir bolsa do Ciência Sem Fronteiras para
fazer GRADUAÇÃO no estrangeiro do que conseguir uma bolsa de
pós-graduação no país? É isso mesmo: exportamos nossos alunos de
graduação, mas não temos bolsas suficientes para mantê-los na
pós-graduação no país.
- quando você terminar o mestrado, a não ser que consiga emprego como
pesquisador em empresas privadas (que são pouquíssimos), você terá
necessariamente que fazer um doutorado? A razão é que o cargo de
"pesquisador" em nosso país é quase inexistente; somente institutos de
pesquisa como o INCA ou a Fiocruz oferecem emprego (através de concurso
público) para pesquisadores (e muitas vezes exigem doutorado). Todas as
demais possibilidades de emprego para um pesquisador são como "professor
universitário" - e este cargo, também somente acessível por concurso
público, é hoje essencialmente restrito a quem já tem título de Doutor.
- então, com 3 anos de formado, você terá que concorrer a bolsas de
R$ 2.000 mensais para fazer doutorado? Isso, vou repetir: seus colegas
já estarão no mercado de trabalho, ganhando salários reais, tendo seu
trabalho chamado de "trabalho", com direito a férias e 13o salário - e,
com sorte, você terá assinado um papel aceitando receber DOIS mil reais
por mês pelos próximos 4 anos. E fique muito contente de ter uma bolsa:
como dizem nossos detratores, você deveria ficar "muito feliz de estar
sendo pago para estudar". Exceto que você não estará "estudando"; você
estará trabalhando, gerando conhecimento, e contribuindo para as
universidades publicarem os artigos científicos que lhes servem como
base de avaliação no cenário mundial.
- que, durante todos esses anos de pós-graduação, para receber uma
bolsa você NÃO poderá ter qualquer outra fonte de renda? Sim, você pode
ter outro emprego e fazer pós-graduação sem receber bolsa - mas é pouco
provável que consiga terminar a pós-graduação assim. Para receber uma
bolsa, você será obrigado a assinar uma declaração humilhante de que não
tem qualquer outra fonte de renda. Bom, mais ou menos; a Capes há um
ano decidiu aceitar acúmulo de bolsa com "emprego de verdade" SE for na
mesma área da sua pós-graduação. Adivinha qual é a chance de você ter
esse "emprego de verdade"? Pois é.
- agora, com o diploma de Doutor em mãos, você terá ganhado o direito
de competir por vagas para... Professor. Isso mesmo: não de
"pesquisador", mas de "professor". Isso porque as universidades
públicas, onde a boa ciência é feita no país, somente contratam
"professores". Ou seja: com MUITA sorte, você será contratado, no mínimo
SETE anos após a graduação, para fazer algo que você NUNCA fez: dar
aulas. Seu salário inicial líquido (seu primeiro salário de verdade!)
será algo em torno de 5 mil reais - mas não se engane, seu "vencimento
básico", aquele que o governo usará para talvez um dia pagar sua
aposentadoria, será de não muito mais do que 2 mil reais...
- é mais provável, no entanto, que você NÃO consiga emprego
imediatamente, uma vez doutor, e tenha que ingressar no limbo dos
pós-doutorandos? Um "pós-doutor" é exatamente isso que o nome indica:
alguém que já é doutor, mas ainda não tem emprego. É um limbo criado
pelo sistema para manter interessados os cada vez mais numerosos
recém-doutores que não encontram emprego nem como pesquisadores, nem
como professores. Pela mesma tabela do CNPq, um recém-doutor recebe uma
bolsa de R$ 3.700 mensais, livres de impostos. Ou seja: lembra daquele
salário inicial dos seus colegas recém-formados? Um aspirante a
cientista finalmente conquista o direito a um valor semelhante... SETE
anos após a graduação. Ah, claro: ainda sem qualquer direito
trabalhista, pois você "não trabalha". Permita-me fazer as contas para
você: a esta altura, você esta perto de completar 30 anos de idade, e
oficialmente... "nunca trabalhou";
- A esta altura, você já será para todos os fins práticos um
Cientista - mas ainda não terá direito de pedir auxílio às agências de
fomento para fazer pesquisa? Para gerenciar um auxílio-pesquisa é
preciso ter vínculo empregatício com uma instituição de pesquisa - e
isso, tirando os pouquíssimos cargos de Pesquisador de fato na Fiocruz,
INCA, IMPA etc, você só consegue se virar... professor universitário;
- SE você conseguir ser aprovado em concurso para professor
universitário E for fazer pesquisa de fato, você não inicialmente
ganhará NEM UM CENTAVO A MAIS por isso? Você terá a mesma carga horária
de aulas a cumprir, aulas por preparar e atualizar todos os semestres,
mas o trabalho de pesquisa, com o qual você tanto sonhou, é... por sua
conta. Se você resolver não fazer pesquisa e apenas der aulas, como você
foi oficialmente contratado para fazer, está tudo bem. Talvez seus
colegas torçam o nariz para você, porque esqueceram que também o emprego
deles é apenas como professores, e não pesquisadores, mas você estará
rigorosamente correto se só fizer seu trabalho de professor.
- Apesar disso tudo, sua progressão na carreira universitária será
dependente do seu trabalho de pesquisa? Você leu corretamente: você foi
contratado como PROFESSOR, mas sua avaliação funcional será feita de
acordo com as suas atividades como PESQUISADOR...
- SE você tiver produtividade suficiente, em alguns anos você poderá
concorrer a uma bolsa de Pesquisador do CNPq, que complementa seu
salário em R$ 1.000 por mês. E isso é todo o incentivo financeiro que
você receberá para fazer pesquisa.
Já desistiu? Pelo bem da ciência brasileira, espero que... sim. Esta é
minha campanha de anti-propaganda em prol da melhoria da ciência no meu
querido país: torço para que você tenha ficado indignado a ponto de
considerar fazer outra coisa da sua vida. Precisamos de uma crise, e um
desinteresse súbito da parte de nossos jovens seria muito, muito, muito
eloquente.
Mas sei que a gente escolhe ser cientista assim mesmo, apesar de tudo
isso. Quando eu entrei para a Biologia, em 1989, a situação era ainda
pior. A ciência no país persiste graças a esses jovens idealistas, que
querem contribuir para o progresso da nação apesar de serem mal-tratados
e desvalorizados, e que topam embarcar em uma "carreira" que não lhes
dará condições financeiras para terem uma vida independente antes dos
TRINTA anos de idade - e olhe lá...
Escrevi anteriormente aqui sobre o problema da "carreira"
de cientista no Brasil, quase inexistente porque postos de "pesquisador"
são raros (aliás, pequena curiosidade: tentem preencher um formulário
online com a profissão "cientista". Em geral ela não existe!). O resumo
da situação, em minha opinião, é que o trabalho de um pesquisador não é
considerado trabalho enquanto ele não for contratado como... professor
universitário, em geral, o que dificilmente acontece antes de uns 10
anos de formado.
Pensei um bocado sobre o assunto, e eis aqui minha proposta para uma
reforma prática, imediatamente implementável se o governo assim quiser -
e, mais importante, SEM tocar na estrutura dos empregos públicos já
existentes (fazer isso seria pisar em calos demais, o que poderia
inviabilizar a implementação da nova estrutura, e de qualquer forma não é
essa minha bandeira aqui).
A constatação de origem é a seguinte: é o trabalho de estagiários de
iniciação científica, mestrandos, doutorandos e pós-docs que de fato
move a ciência. Quem acha que não é, por favor dê uma olhada no
currículo de nossos cientistas mais produtivos em termos de publicações -
Wanderley de Souza e Iván Izquierdo, por exemplo, só para citar os dois
que primeiro me vêm à cabeça -, e veja quantos de seus artigos recentes
(sem ser artigos de revisão da literatura) são publicados apenas por
eles, sem vários "bolsistas" como primeiros autores ou co-autores. Pois
é. Na prática, no Brasil e no mundo, quem faz a ciência, quem está na
bancada gerando dados, é o "bolsista" que está supostamente "estudando",
e não trabalhando.
Mas trabalho é o que isso é, e minha bandeira é que ele deve ser
reconhecido como tal. O empecilho para isso é que as instituições
públicas, onde se faz a melhor ciência no Brasil, só contratam por
concursos, e com aquela faca de dois gumes que é o emprego garantido
(mais sobre isso adiante). Fundações, contudo, têm autonomia para
contratar e demitir; podem receber fundos tanto públicos quanto privados
para pagar seus funcionários; e estão livres da necessidade de lucro
que atrapalha a pesquisa básica.
Eis a primeira parte da minha proposta, então: que as instituições
públicas onde se faz ciência criem Fundações, com gestão LOCAL, ágil,
para contratar seus pesquisadores - e que esses pesquisadores,
contratados e assim reconhecidos como trabalhadores que de fato são,
sejam os hoje "bolsistas" de iniciação científica, mestrado, doutorado e
pós-doutorado. Assim o cargo de "cientista" passa a existir de fato, em
seus vários níveis de progressão na carreira, reconhecendo e
recompensando o mérito e a produtividade de cada um: estagiário (atual
bolsista de iniciação científica), assistente de pesquisa (atual
recém-formado), pesquisador assistente, pesquisador júnior, pesquisador
associado, pesquisador pleno, pesquisador sênior, diretor de pesquisa
(chefe de laboratório).
De onde viria o dinheiro? De onde já vem: MCT, CNPq, FAPs estaduais -
e, agora que são instituições "privadas", quem sabe até de fontes
privadas, como em tantos outros países. Para deixar bem claro: proponho
ACABAR COM TODAS AS BOLSAS NO PAÍS, e usar esses fundos para contratar
os jovens como trabalhadores que são, com todos seus direitos e deveres
trabalhistas. Quantos pesquisadores cada laboratório poderia contratar
dependeria de produtividade e captação de recursos para seus projetos,
com possibilidade de avaliação e reavaliação constante.
Contratados como trabalhadores, valeria assim a meritocracia e a
agilidade que são a norma em qualquer empresa: quem faz um bom trabalho
permanece; quem não está de fato produzindo corre o risco de ser
demitido. Claro, com comissões de avaliação para garantir que ninguém
seja demitido por mera picuinha ou por não fazer parte das panelas da
vez. Proponho ainda que os cargos dos pesquisadores sênior e diretores
de pesquisa, responsáveis pela continuidade dos projetos em andamento,
tenham duração assegurada de cinco anos, renováveis indefinidamente,
durante os quais o pesquisador, como o professor universitário, não
precisará se preocupar com seu emprego.
O que fazer com a pós-graduação? Proponho que ela seja valorizada
como algo realmente reservado àqueles jovens pesquisadores que
demonstrarem capacidade de inovação e liderança, ao invés de ser usada
como a boia de salvação atualmente necessária para quem quer seguir
carreira na ciência, na falta de empregos de verdade como pesquisador.
Cursos de atualização e formação continuada seriam oferecidos
continuamente para pesquisadores contratados de TODOS os níveis, sem
custo (mas também sem "bolsa" adicional), pois são fundamentais para
todos (e não, na minha opinião, um "investimento opcional"). Mas, no
esquema de cargos proposto acima, o pesquisador que demonstrar essas
capacidades de pensamento original e independente ganharia acesso ao
doutorado (chega de mestrado!), como qualificação adicional para um dia
vir a ser líder de seu próprio grupo, no cargo de diretor de pesquisa
(chefe de laboratório, na prática). Sendo um processo rigoroso de
qualificação (também sem "bolsa" adicional!), onde originalidade e
relevância são exigidos de fato, o doutorado prepararia o pesquisador
para passar ao cargo de pesquisador pleno, sênior, e eventualmente
diretor de pesquisa.
Como implantar esse esquema na estrutura atual de professores
universitários? Proponho que seja oferecida a alternativa de acúmulo de
cargo de professor universitário (sem dedicação exclusiva, claro) e
diretor de pesquisa (para que já é chefe de laboratório) ou pesquisador
pleno ou sênior (para quem já é professor com doutorado) para quem já é
concursado (e deixo claro desde já que eu abraçaria a opção), mas claro
que quem já é funcionário público não seria jamais obrigado a deixar seu
cargo. O importante aqui é criar a possibilidade de contratação com
perspectiva de carreira, e mudar como a ciência é feita daqui para a
frente.
Notem que uma das consequências dessa proposta é que ser professor
universitário pode passar a ser reservado a quem realmente SABE e QUER
ensinar, ao invés de ser o "preço" a pagar para poder fazer pesquisa por
aqueles que não curtem ensinar. Não é vergonha alguma não querer dar
aula, assim como não é vergonha não querer fazer pesquisa; portanto,
nada melhor do que as duas atividades serem dissociáveis.
A outra consequência desta proposta é a MOBILIDADE e AGILIDADE para
contratação por Fundações locais associadas às Universidades (ou, melhor
ainda, aos Institutos). Precisamos disso para atrair cientistas de
outras cidades, estados, e países. Precisamos disso para ajudar a
escolher outro caminho (eufemismo para "demitir", isso mesmo) aqueles
que não se encontram na carreira de cientista ou professor, mas
continuam nas universidades porque são, bem, funcionários públicos
indemissíveis.
Minha irmã, economista, observa há anos, ao me ouvir descrever o
funcionamento de laboratórios, universidades e instituições de pesquisa
públicas, que o que falta à pesquisa é ser gerenciada como qualquer
empresa. Quer saber? Acho que ela está com toda a razão. Um pouco de
estabilidade, em geral não assegurada nas empresas, é necessária - mas
ela não precisa ser eterna, e pode vir em pacotes de uns 5 anos de cada
vez. E meritocracia é fundamental. Mas, sobretudo, ter seu trabalho
reconhecido como "trabalho" é o que está faltando aos pesquisadores.
Assista mais em
http://tvcultura.cmais.com.br/rodaviva/roda-viva-entrevista-suzana-herculano-houzel
Dia 25 de março tive a honra de ser a entrevistada no
Programa Roda Viva, da TV Cultura, com a oportunidade de falar sobre
como é fazer pós-graduação e ciência no Brasil. Fiquei pensando depois
no que eu não disse a respeito, mas gostaria de acrescentar, então segue
aqui:
- que eu lamento o engessamento do nosso sistema que, por ser
estatizado, não permite agilidade de contratações, tanto pela
universidade quanto pelos laboratórios. Nos EUA, por exemplo (atenção,
polícia de plantão: falo dos EUA simplesmente porque é o exemplo que eu
conheço melhor, pessoalmente, e não porque acho que tenhamos que copiar
tudo o que vem de lá, porque não temos. Tem várias coisas erradas por
lá, também) - enfim, nos EUA até mesmo as universidades estaduais têm
autonomia para buscar, selecionar e contratar quem eles quiserem, em
todos os níveis, do assistente de laboratório ao chefão supremo do
departamento. O mesmo tipo de autonomia faz falta também nos
laboratórios daqui: eu gostaria, por exemplo, de poder contratar
rapidamente cientistas que têm as habilidades específicas que faltam em
minha equipe. Mas não posso; tenho que elaborar um projeto, pedir bolsa
de pós-doutorado já com o nome do candidato, e passar meses esperando
uma resposta (enquanto isso, esse candidato faz o quê???). Também
gostaria de poder demitir com agilidade quem não faz o seu trabalho. Mas
não posso fazer isso sem pensar nas consequências para o programa de
pós-graduação, que é avaliado pelos seus bolsistas, e "pega mal" na
avaliação pela Capes ter bolsistas que "abandonam" o curso no meio. Se
fossem considerados trabalhadores, como de fato são, não haveria
problema na demissão por justa causa. E, claro, deveríamos poder
contratar PESQUISADORES para fazer PESQUISA, e não sermos obrigados a
contratá-los (concursá-los, na verdade) como "professores", muito menos
com um contrato surrealmente
ad eternum, que NENHUMA empresa comete a insanidade de oferecer aos seus empregados...
- que nos falta, no Brasil, financiamento privado. Não temos a
cultura do patrocínio da ciência por pessoas jurídicas, nem de fundações
e organizações com prêmios e grants privados de apoio à ciência. Também
não temos a possibilidade de receber doações diretas de pessoas
físicas. As mídias sociais hoje viabilizam esse tipo de apoio, que eu
quero começar a incentivar em breve. Me aguardem! :o)
- que implantei recentemente em meu laboratório um sistema
"capitalista" de remuneração pelo trabalho feito, e que está sendo
sucesso absoluto de produtividade e motivação! No momento estou pagando
por grama de tecido processado. A produtividade mais do que duplicou,
sem qualquer perda de qualidade. Mais tarde eu comento meu experimento!
Capitulo - AS DROGAS E OS CONFLITOS
ALAIN LABROUSSE
DIRETOR DOS OBSERVATOIRE GÉOPOLITIQUE DES DROGUES –PARIS
A droga e os serviços secretos
.......
A CIA voltou a recorrer aos narcotraficantes em operações clandestinas
contra a Nicarágua, realizadas particularmente pelo coronel Oliver
North, depois que o congresso dos Estados Unidos suspendeu (emenda
Bollan ), entre outubro de 1984 e outubro de 1986, a ajuda militar
americano aos anti-sandinistas. Parte dos recursos provinha das vendas
clandestinas de armas ao Irã, configurando o que a história registrou
com o nome de Irangate. Os aviões que vinham dos Estados Unidos traziam
armas, víveres e equipamentos para os contras da frente sul baseados na
Costa Rica, e partiam em
seguida para a Colômbia. Na volta vinham
carregados de cocaína fornecida pelos chefes do cartel de Medellín,
Pablo Escobar e Jorge Ochoa. A droga era entregue num rancho ao norte da
Costa Rica.Seu proprietário, um cidadão norte-americano, de nome John
Hull, participava do apoio aos combatentes nicagaraguenses, em estreita
ligação com a Cia e o Conselho Nacional (NCS). Essas ligações foram
reveladas ao publico quando um avião de transporte do governo americano
se espatifou perto do rancho, matando seus sete ocupantes.
Informações precisas foram fornecidas principalmente pelos pilotos que
haviam participado desses tráficos e que foram presos em seguida e
julgados por outros problemas de drogas nos Estados Unidos: Gerard
Duran, George Morales, Gary Wayne Betzner e Michael Tolliver. Este
último, em seu depoimento perante uma comissão de inquérito do Senado
americano, presidida pelo Senador John Kerry, declarou que por duas
vezes em 1984 transportava armas para os contras baseados na Costa Rica e
que seu avião havia retornado aos Estados Unidos a cada vez com uma
carga de meia tonelada de cocaína. Relatou também como, em março de
1986, transportava 15 toneladas de armas até a base aérea de Agnacate,
em Honduras, destinadas aos contras. Seu DC6 havia retornado á Florida
com 25 306 libras ( cerca de 11,5 toneladas) de maconha, que
descarregara na base militar de Homestead. Por essa viagem recebera 75
mil dólares.
O próprio Departamento de Estado também estava
comprometido diretamente no trafico, através da ajuda humanitária aos
contras, que não havia sido suspensa pelo Congresso. A comissão Kerry
conduziu um inquérito sobre as companhias aéreas que tinham sido
contratadas: todas estavam fichadas pelo DEA por terem praticado
trafico de drogas num ou noutro momento......................
Paginas 58 e 59
Capitulo - MUNDIALIZAÇÃO E CRIMILIDADE
JOSÉ LUIZ DEL ROIO
PESQUISADOR DO NÚCLEO DE ESTUDOS DA VIOLÊNCIA DA USP E DIRETOR DO CENTRO STUDI PROBLEMI INTERNAZIONALI DI MILANO
.......
South Central é um dos maiores e mais pobres bairros onde vivem os
negros de Los Angeles. Praticamente uma geração de seus jovens foi
devastada pelo crack. Morte, doenças, loucura e criminalidade é o que
vivem no dia-a-dia os seus habitantes. A partir de 18 de agosto de 1996,
um jornal local, o San José Mercury News, publicou uma série de
artigos, resultado de um alto jornalismo investigativo, onde contava
detalhadamente como a droga se apoderou daquele território. É uma
historia menos que se insere no interior de uma moldura vasta conhecida
com Irangate.
Os que possuem boa memória se recordarão do processo
contra o coronel Oliver North, que terminou com sua condenação. Os atos
deste processo demonstraram com nomes e fatos que por vários anos a CIA
(Central Intelligence Agency ) e a DEA estiveram em contato com os
chamados cartéis colombianos, protegendo a entrada de drogas nos Estados
Unidos. Tal operação servia para encontrar fundos ilegais para
financiar as forças opositoras ao governo sandinista da Nicarágua.
Lembremos também que estes fatos foram provados por uma comissão do
Senado, presidida pelo já citado senador John Kerry.
É neste clima
que Danilo Brandon, pertencente a uma das famílias mais ricas da
Nicarágua e expoente do partido anti-sandinista Fuerza Democrática,
entra em contato com Ivan Meneses, pequeno criminoso, já fichado pela
policia norte-americana. Juntos encontram em Honduras um tal de coronel
Bermudez, regularmente pago pela CIA, que lhes propõe traficar a cocaína
da Colômbia para o interior dos EUA para conseguir fundos. Entram em
contato com o chamado cartel de Cáli e tentam entrar no mercado de
Beverly Hills, famoso bairro onde se concentram os ricos de Hollywood.
Porem, os canais já estão ocupados por outros bandos de criminosos.
Experimentam então com as zonas mais pobres de Los Angeles, mas a
cocaína custa muito para os bolsos dos jovens e o preço do mercado não
deve ser rebaixado porque entrariam em conflito com outras quadrilhas.
Os valentes “combatentes pela liberdade” encontram-se num impasse, ate
que uma inovação tecnológica vem resolver seus problemas. Através dos
cristais que restam da fabricação da cocaína, é possível fabricar uma
droga muito mais barata e mortal, adequada aos pobres, que será chamada
de crack. Eis que os guetos negros de Los Angeles, aonde o desemprego
juvenil chega a 45%, pode ser inundado com o novo produto. Por cinco
anos, de 1983 a 1987, os contras nicaragüenses, com a cobertura de
organismos oficiais, despeja 100 quilos de cristais de coca semanais
sobre South Central. Os lucros são lavados em Miami e partem para a
América Centra para alimentar a subversão contra o de Manágua.
Ao
tomar conhecimento destes fatos, a comunidade negra justamente se rebela
e exige a abertura de um processo que lance luz sobre os episódios e
condene os culpados. A reação da administração Clinton é hesitante, e
faz-se de tudo para sepultar o episodio. O jornal conservador Washington
Post, mesmo reconhecendo que a CIA conhecia pelo menos parte das
atividades dos traficantes e que não fez nada para bloqueá-los, tenta
desmoralizar os artigos publicados pelo San José Mercury News, dizendo
que as quantidades de cristais de coca que entraram em Los Angeles por
mãos dos contras nicaragüenses não foram 27 000 quilos, mas apenas 5 000
!!!
Mesmo aceitando a cifra menor acenada pelo Washington Post,
isto significa algo como 10 milhões de doses. Alem do quê, a partir
desta atividade criminosa exercida contra os negros de Los Angeles, o
crack espalhou-se pelas metrópoles dos Estados Unidos e de vários paises
latino-americanos. Esta é uma historia para recordamos quando vemos nas
ruas de São Paulo as nossas crianças agonizando ou cometendo crimes
porque viciadas em crack. Agora sabemos quem são os primeiros
responsáveis, que elaboraram suas perversidades e decretaram que tantas
crianças não deveriam possuir sonhos e nem futuro. ...............
Paginas 120 a 122
– DROGAS : A HEGEMONIA DO CINISMO
ORGANIZADORES – MAURIDES DE MELO RIBEIRO E SERGIO DARIO SEIBEL
ANO 1997 – 353 PAGINAS – ISBN 85-85373-16-4
FUNDAÇÃO MEMORIAL DA AMÉRICA LATINA
DEPARTAMENTO DE PUBLICAÇÕES
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